Crianças de dez anos descrevem obras em audioguia do Masp; ouça os relatos

"As meninas são irmãs e bem parecidas, vestem o mesmo tipo de roupa, uma azul e outra rosa. Essa roupa deve pinicar o corpo. A menina de azul estava percebendo que sua irmã estava agoniada e deu sua mão como carinho, para ela se sentir melhor."

Foi assim que crianças descreveram a famosa tela "Rosa e azul (As meninas Cahen d´Anvers)", de Renoir, para os guias de áudio da exposição "Histórias da Infância", que entrou em cartaz no Masp neste mês.

Preocupada em tornar a mostra mais acessível para os pequenos, a curadoria do museu pendurou as obras em uma altura mais baixa que o 1,5 m habitual e convidou turmas da Escola Municipal Desembargador Amorim Lima e do Colégio São Domingo para gravar suas impressões sobre as pinturas e fotografias que integram a exposição.

"Questionamos na curadoria quem está representando a criança na mostra, e são todos artistas adultos. Ficamos pensando em como subverter essa lógica. Os áudios vêm com essa intenção de poder olhar o mundo pela perspectiva da criança", diz Luisa Proença, curadora do museu.

O resultado são descrições espontâneas sobre como o "olhar de tristeza" de "O Escolar (O Filho do Carteiro)", de Van Gogh, se deve ao fato de "o pai dele não ficar muito em casa, já que ele é um carteiro e carteiros ficam o dia todo na rua". Ou sobre como o quadro "As Tentações de Santo Antão", de Hieronymus Bosch, parece o pesadelo de um dos garotos.

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"É muito engraçado, você acaba mesmo conseguindo ver coisas que não veria", diz Proença.

O francês Christophe Buffet, do estúdio Zut, colaborou com o projeto e concorda: "As crianças não têm limites nem fronteiras. Se você faz uma gravação com um curador, sempre vai ter algum controle".

Buffet começou a fazer guias para exposições quando ainda morava na França, e já fez projetos com crianças para o Louvre e para o Centre Pompidou, de arte contemporânea.

"É uma coisa bem interessante de se fazer, porque não é comum aqui no Brasil. Audioguias muitas vezes são chatos, apenas com pessoas lendo textos de catálogos" afirma.

Para o produtor, o guia de "Histórias da Infância" não é um roteiro que diz ao visitante o que pensar, mas que cria uma provocação. "Se uma criança de nove anos tem uma opinião formada e articulada sobre uma obra, por que você não tem?", questiona.

Christophe Buffet
Alunas da escola municipal Desembargador Amorim Lima analisam "As Tentações de Santo Antão", de Hieronymus Bosch, para o projeto de guias de áudio do Masp
Meninas analisam "As Tentações de Santo Antão" para o projeto de guias de áudio do Masp

LADO CRIATIVO

Carlos Paglione, 9, aluno da escola Desembargador Amorim Lima, participou das atividades que antecederam as gravações. Para ele, a criança procura ver a obra pelo "lado criativo da coisa".

"A visão da criança é completamente diferente, o adulto leva tudo muito a sério", completa sua colega Beatriz Rodrigues, 11.

Eles contam que formaram duplas para escolher os quadros que iriam descrever. Além de pensar e discutir sobre a obra, os estudantes tinham que fazer um texto e explicar antes da gravação. Alguns ensaiaram se apresentando para os amigos –o que ajudou bastante na hora de falar com fluência, conta Buffet.

"É difícil pensar na obra, você vai tentando achar detalhes e o sentido daquilo, mas do seu jeito", diz Carlos.

Há algumas pérolas. Em uma gravação que não entrou para o compilado final, uma das crianças diz que o artista "está de parabéns" pelo quadro "Rosa e Azul". Em outra, na descrição do quadro "Tríptico: Cristo Carregando a Cruz, a Crucificação e o Sepultamento", de Jan van Dornicke, um dos participantes afirma que a crucificação foi "mais ou menos um terrorismo, só que só para o Jesus."

DESENHOS

Para aumentar a interação com a mostra, o Masp também organizou, entre janeiro e o início de abril, oficinas de criação de desenhos com crianças de 5 a 11 anos. Os trabalhos, feitos a partir da pergunta "como contar suas próprias histórias em desenhos?", estão expostos ao lado da produção dos demais artistas.

A partir deste sábado (30), novas oficinas serão realizadas com a participação de artistas brasileiros. Cada atividade dura dois dias, sempre aos sábados e domingos, das 15h às 17h.

As oficinas são gratuitas, precisam de inscrição e vão até 31 de julho –quando a mostra chega ao fim. Confira a programação completa no site do Masp.

Exposição "Histórias da Infância"
ONDE Masp - av. Paulista, 1578; tel. (11) 3251-5644
QUANDO Histórias da Infância - de 8/4 a 31/7
QUANTO de R$ 12 a R$ 25

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