Seu Ático, 90, conta histórias de seus mais de 60 anos na alta gastronomia de SP

Uma surpresa aguardava o cliente que chegasse ao restaurante Parigi, na região do Itaim Bibi, para o almoço do último dia 11 de dezembro, um domingo.

Entre as mesas do salão completamente ocupado, os comensais formavam uma fila para cumprimentar Ático Alves de Souza, mais conhecido como seu Ático. No dia anterior, 10 de dezembro, o maître baiano havia completado 90 anos.

A festa começou por iniciativa do consultor financeiro Geraldo Forbes, que conhece seu Ático há 55 anos. Foi Forbes quem levou ao amigo um bolo de fubá, conta o empresário Rogério Fasano, que comanda o grupo do qual o Parigi faz parte.

Karime Xavier/Folhapress
Ático Alves de Souza, o seu Ático, mâitre do grupo Fasano, no salão do Parigi
Ático Alves de Souza, o seu Ático, mâitre do grupo Fasano, no salão do Parigi

Quando as velas foram acesas, o maître já não era capaz de conter a emoção. "Baiano é emotivo. Não é que eu choro... São as lágrimas que vêm", brinca seu Ático, em tom comedido.

Esse estilo, aliás, jamais invasivo, tampouco frio, contribuiu para que ele se tornasse um dos nomes históricos da gastronomia paulistana. O carisma deu a ele bons amigos, como a atriz Karin Rodrigues, presente na homenagem. Mas a gentileza não se confunde com abordagens efusivas. "Meu lema é tratar bem o cliente e ser discreto", enfatiza.

O estilo foi se depurando com a longevidade. São pelo menos 65 anos em ação nos restaurantes, período em que trabalhou principalmente para duas famílias de raízes italianas. Primeiro, os Guzzoni, no Ca'd'Oro, onde esteve por 37 anos. Depois, os Fasano, a quem está ligado há 28 anos, somando duas passagens pelos restaurantes.

Ao longo dessas mais de seis décadas, seu Ático serviu inclusive presidentes da República, entre eles Getúlio Vargas (que ocupou o cargo entre 1930 e 1945 e novamente de 1951 a 1954) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

Diz não se lembrar, contudo, do que conversou com eles –na verdade, ainda que se recorde de um ou outro ponto, prefere não comentar essas reminiscências. "Eu nunca guardo as histórias dos meus clientes", conta o maître, que recebeu a comenda da Ordem do Trabalho das mãos de Almir Pazzianotto, ministro do governo Sarney.

Entre os chefes de governo, Getúlio foi o primeiro a quem atendeu, na Cantina Cambusa, no Centro. Vindo de Monte Santo (BA), seu Ático havia chegado a São Paulo poucos meses antes, em novembro de 1949, aos 24 anos. Trabalhava como faxineiro, mas vira-e-mexe era incumbido de servir as bebidas aos clientes, já que o barman faltava com frequência. Assim conheceu Getúlio.

Karime Xavier/Folhapress
Seu Ático serve o bollito misto no salão do Parigi, em São Paulo
Seu Ático serve o bollito misto no salão do Parigi, em São Paulo

Logo depois, foi contratado como mensageiro pela confeitaria Fasano, na rua Barão de Itapetininga, também na região central da cidade. A casa era comandada por Ruggero Fasano, avô de Rogério.
Mas o desejo do seu Ático era mesmo trabalhar no salão. Não titubeou, portanto, quando o italiano Fabrizio Guzzoni o convidou para se juntar à equipe do Ca'd'Oro, fundado em 1953, na mesma rua onde funcionava o Fasano. "Aprendi com o Fabrizio 90% da minha profissão."

Por 13 anos, seu Ático foi cumim, o ajudante do garçom, até que Guzzoni resolveu promovê-lo a maître. "Naquela época [anos 60], os bons restaurantes de São Paulo –e o Ca'd'Oro era o melhor de todos– só pegavam para maître quem tinha cara de gringo, não um baianinho como eu", lembra.

Seus 24 anos como maître na casa acompanharam a ascensão do Ca'd'Oro, que se tornou o primeiro hotel "cinco estrelas" da cidade duas décadas depois.

A decadência do centro, porém, impulsionou o fechamento do Ca'd'Oro em 2009. No período mais crítico, no entanto, seu Ático já havia deixado a casa, que reabriu em 2016.

Nos últimos 26 anos, após breve passagem pelo Fasano, tem trabalhado no Parigi, onde é responsável por servir o bollito misto, uma herança da era de ouro do Ca'd'Oro. Ele vai ao restaurante três vezes por semana (às quartas, às sextas e aos domingos), quando se incumbe de levar às mesas o cozido italiano.

Boa parte do tempo que lhe resta é reservada à família. Além da mulher, são três filhos, cinco netos e dois bisnetos.

Seu Ático evita se estender sobre planos definitivos de deixar o trabalho.

"Já estou querendo me aposentar, esses 90 anos me deixaram um pouco baqueado", diz ele, cujos sinais de fragilidade são escassos à primeira vista. Há pouco vigor na voz, e o andar é vagaroso.

Trinta minutos depois da entrevista, seu Ático reaparece no salão do Parigi, de smoking, para servir o primeiro bollito do dia. Sorridente, com as mãos firmes, o maître está pronto.

Parigi. Rua Amauri, 275, Jardim Europa, tel. 3167-1575

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