Kuniko Yohana, do 'Pastel da Maria', tem 50 anos de feira e uma verdadeira linha de produção

"Para mim, não foi a carne que nos fez ganhar. Eu tenho orgulho é da minha massa", diz Kuniko Yohana. Ela é a Maria, do Pastel da Maria, barraquinha de feira famosa pelos prêmios que ganhou, em 2009 e 2011, de "melhor pastel da cidade" —e que hoje tem oito lojas em São Paulo.

"Maria" foi o nome que escolheu quando começou sua barraca de pastel, já que achavam estranho chamá-la de "Kuniko".

A feirante e empresária de 63 anos nasceu em Osaka, no Japão, e veio para o Brasil quando tinha 11 anos, num navio com os pais e dois irmãos (a mãe estava grávida da mais nova).

O pai investiu o que tinha em uma barraca de "emporinho" na feira, que vendia sabonetes e pasta de dente, por exemplo. Não deu certo. "Mas no caso do meu pai nunca daria certo, porque ele era alcoólatra. Tudo o que ganhava gastava em noitadas."

A família, então, entrou no ramo dos pastéis, com a receita de massa ensinada por um amigo do pai. As filhas ajudavam no preparo. Em tempos de receita caseira, chegavam da feira para fazer a massa, em seguida os recheios, que precisavam esfriar antes da montagem dos pastéis. Logo era madrugada, hora de voltar à feira.

Em 1971, mesmo ano em que Maria se casou, um decreto proibiu a venda de pastéis em feiras livres, algo atribuído às reclamações sobre procedência de ingredientes e falta de higiene.

"Alugamos uma casa perto da feira, fritávamos os pastéis no quintal e vendíamos em uma caixa. Quando a fiscalização chegava, todos tinham que correr —eu, que nunca fui fácil, perguntava 'É isso que vocês querem?', jogava tudo no chão e pisava em cima."

Diante das dificuldades, os pais decidiram retornar ao Japão, mas ela, recém-casada, ficou com o marido. Seis meses depois, chegou a licença para ter novamente uma barraquinha na feira. Assim começou o pastel que leva seu nome, em 1979.

Seguiram os turnos madrugada adentro. "A gente começava a fazer o pastel às 2h e meu marido nunca estava. Era viciado em jogo e, ao chegar, queria dormir. Se eu tentava acordar, era tapa para todo lado. Quantas vezes fui trabalhar de óculos escuros..."

Tinha três filhos, um cuidava do outro, assim como foi em sua infância. "Nunca deixei a casa suja, então trabalhava 24 horas."

Quando o casamento tinha nove anos, o marido a agrediu pela última vez. "Foi tão forte que meu rosto ficou deformado. Minha irmã me levou para fazer exame de corpo de delito." Só quando ela retirou a queixa ele aceitou dar o desquite, diz.

O segundo casamento foi oficializado em 1990, com um amigo de infância, com quem tem um filho. As coisas iam bem, a casa era própria, o carro na garagem, zero.

"Mas dinheiro eu não guardo. Faço questão de investir. Sabe a toalha que tenho no balcão? É renda que vai em vestido de casamento", conta.

Em 2009, veio o primeiro prêmio, em concurso realizado pela prefeitura. "Eu só queria me testar, saber como eu estava e quase caí de costas. Me senti uma celebridade, o Ronaldo Fenômeno", ri.

"De uma hora para a outra, passei de cem para 400 pastéis vendidos por dia." Ela não revela quantos vende hoje, diz que já atribuíram a isso alguns assaltos a pasteleiros.

A produção saiu de casa, ganhou uma cozinha e um escritório, filhos e familiares entraram na administração do negócio e a equipe chegou a 60 funcionários —hoje, tem uma pequena fábrica no Parque Peruche, na zona norte, de onde sai o produto (em caminhões refrigerados) que abastece barracas em cinco feiras e as lojas (próprias e franquias). "Estudei até o segundo ano do primário, mas tenho faro para negócios." Maria não tira férias há quatro anos.

Pensa em fornecer salgadinhos e pastel para outras casas, seguir para outros Estados e até para o Japão. E das barracas do Pastel da Maria ela não abre mão. "A feira é onde começou tudo", diz. "As pessoas falam que pastel de feira é diferente, e é mesmo."

Mesmo saindo das mesmas esteiras de fábrica —hoje as mãos são pouco usadas no preparo da receita. E, segundo ela, a massa da máquina é ainda melhor. "Mas pastel recheado na hora não tem igual."

O pastel da Maria

O recheio
Feito com acém, cebola, alho, tomate, salsinha e gengibre ralado

A massa
"Cachaça? De jeito nenhum." Leva farinha, água, glutamato monossódico (sal usado na cozinha oriental), banha ou margarina "Manteiga é muito chique."

Preço
R$ 6

Na feira livre
Terça, quinta e sexta
Pacaembu (pça. Charles Miller, s/nº)

Quarta
Sumaré (r. Cayowáa, 2.008) e Santana (r. Capitão Manuel Novaes, s/n)

Sábado
Pq. Novo Mundo (al. Subtenente Francisco Hierro, 351)

Domingo
Mooca (r. dos Trilhos, s/nº)

Nas lojas
R. Fradique Coutinho, 580, Pinheiros, tel. 2373-7071
R. Emílio Mallet, 152, Tatuapé, tel. 3294-7566 (mais seis endereços)

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