Com mais de 20 atrações até o fim deste ano, SP vira a 'capital do rock'

A cada edição, o Rock in Rio monta a sua minicidade para acomodar o conhecido festival de música. Mas, apesar de toda sua fama e tradição, o título de capital do rock certamente é paulistano.

Com uma programação perene e um público aficionado pelo gênero, São Paulo não só costuma receber as mesmas atrações do evento organizado pela família Medina, em dobradinhas acordadas entre produtores do eixo, como ainda serve de palco para dezenas de outros espetáculos com potencial para lotar de clubes a estádios.

Por ano, são cerca de 60 shows internacionais, estima José Muniz Neto, diretor da Mercury Concerts, que prepara a São Paulo Trip, uma versão do Rock in Rio só com o suprassumo do line-up carioca.

Com um nome que remete ao Desert Trip, lendário festival que reuniu no ano passado vovôs do rock e 420 mil pessoas em um deserto californiano, a "viagem paulistana" levará The Who, Bon Jovi, Aerosmith, Guns N' Roses, The Cult e outros veteranos ao Allianz Parque, na zona oeste. Serão quatro dias de apresentações em setembro.

"Vários artistas dizem que o público de São Paulo é fantástico", afirma Muniz. "É uma das cidades mais roqueiras do mundo."

Além dessa série de shows, o próximo semestre promete uma farta seleção tão
diversa quanto um evento de rock que tem palcos de samba e de música eletrônica. A agenda trará nomes como Paul McCartney, Deep Purple, Pet Shop Boys, John Mayer e Bruno Mars até o fim deste ano.

"São Paulo é uma das cidades que viabilizam a passagem de grandes turnês pela América do Sul", explica Muniz —as outras são Santiago (Chile) e Buenos Aires (Argentina). "Rotas secundárias, como Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte e até mesmo a cidade do Rio de Janeiro, recebem metade do que passa por São Paulo", compara.

A relevância é expressiva. Em relação ao mercado de shows, o Brasil é o segundo em tamanho na América Latina. O país perde apenas para o México, aponta a 17ª Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia divulgada no ano passado pela consultora PwC.

O estudo indica que o gasto com consumo de shows ao vivo no país chegou a US$ 155 milhões, em 2015 (cerca de R$ 600 milhões na cotação da época). Mais: a previsão para 2020 é que esse montante atinja US$ 211 milhões. Esses gastos, que incluem patrocínios de eventos, crescem 6,4% ao ano, ainda de acordo com a pesquisa.

Gabriel Cabral/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 31-05-2017: Tatuagem falsa, feita com canetina pelo tatuador Teté do estúdio PMA Tattoo(foto Gabriel Cabral/Folhapress)
Tatuagem representa paixão de paulistanos pelo rock

PARA TURISTA CURTIR

Além dos próprios paulistanos, grandes shows e festivais são chamarizes para atrair turistas e impulsionam setores como o hoteleiro, o alimentício e o de transporte.

De acordo com o porta-voz da empresa Mercury Concerts, cerca de 20% do público vem de outras cidades e até mesmo de outros países. Esse fluxo pode ser ainda maior se analisarmos caso a caso.

Um exemplo é o Lollapalooza, festival que já se tornou tradicional no calendário da capital. Na edição de 2015, mais da metade do público foi de visitantes, mostra o estudo mais recente do Observatório de Turismo e Eventos, da SPTuris, empresa ligada à Prefeitura de São Paulo. Na época, o impacto foi de cerca de R$ 93 milhões na economia paulistana, sendo que a média de permanência dos turistas não chegou a três dias.

Na avaliação de Muniz, a boa oferta de eventos poderia ser ainda melhor e impulsionar o mercado, caso a cidade tivesse opções de arenas "indoor" e mais casas de espetáculos. Diz ele: "Seria um trampolim para o desenvolvimento da música e do esporte também".

Isso porque nem todo artista tem calibre para lotar estádios de futebol com capacidade para 40 mil pessoas —"Dá para contar nos dedos quem consegue", aponta Muniz.

Ao mesmo tempo, apresentações em espaços menores, para cerca de 8.000 pessoas, não compensam o custo de suas vindas.

"Quem geralmente se apresenta em arena 'indoor' nos EUA vem tocar em grandes estádios no Brasil. Isso implica um risco absurdo para os promotores", analisa.

Apesar de carências na infraestrutura, a cidade compensa em outros aspectos.

O diretor de shows da T4F, Luiz Oscar Niemeyer, ressalta fatores que favorecem o desenvolvimento do show business local. "São Paulo oferece uma estrutura hoteleira muito boa para as pessoas que vêm de fora, além de empresas e profissionais especializados. É onde você tem realmente o maior parque industrial do nosso negócio, onde você encontra as melhores condições para fazer um grande evento", resume.

Tanto Muniz Neto quanto Niemeyer destacam o Allianz Parque como um dos melhores locais para shows na cidade. Inaugurado em 2014 e batizado na turnê "Out There! Tour", do ex-Beatle Paul McCartney, a arena palmeirense tem sido habitué dos grandes eventos da capital paulista.

FÃNÁTICOS

Foi em uma rodinha de pogo (dança punk feita em círculos no meio do público e que envolve chutes, cotoveladas e esbarrões) em um desses festivais que o cozinheiro e youtuber Mohamad Hindi Neto, 30, chegou a perder as próprias calças —literalmente.

Único roqueiro de sua família, ele teve banda durante toda a adolescência. Irá pela primeira vez a um show do Guns N' Roses, "agora que a banda está mais próxima de sua formação original", com Axl Rose e Slash.

A psicóloga Glaucia Borges, 42, até cogita ver o show do ex-Beatles Paul McCartney, mas isso se sobrar tempo e dinheiro depois dos quatro shows do Bon Jovi a que pretende ir neste ano —dois deles no exterior. Ela descarta, entretanto, viajar para o Rock in Rio.

"Seria frustrante vê-lo com 100 mil pessoas na minha frente", desabafa ela. "Gosto de ficar perto do palco."

Glaucia já foi a mais de 25 shows da banda americana em quatro continentes, sempre administrando com suas férias. Fã de carteirinha desde 2009, conta que aprendeu a falar inglês para entender as letras.

"No fim de 2013, fui chamada para subir ao palco. Cantei com o Jon [Bon Jovi] e ganhei um selinho dele", gaba-se, orgulhosa. "Foi um sonho realizado", diz ela, que já sacou dinheiro da poupança para se hospedar com as amigas no mesmo hotel que os ídolos.

Apesar de não ser nada fã da banda, o baterista Mariô Onofre, 26, também planeja estar no show do Bon Jovi. Mas o que quer ver é o duo The Kills, que toca no mesmo dia. "Eles estão mais completos: têm bateria, metais, backing vocals. Então, o show será bem melhor do que o Kills do começo."

Mariô destaca a função dos festivais para despertar o interesse de novos públicos. "Por serem caros, ficaram glamurizados. Muita gente que nem conhece as bandas vai porque é um fetiche", acredita. "Também vale pelo aspecto histórico. Na São Paulo Trip, por exemplo, tocará The Who, e eu mesmo quero ir" —os britânicos geraram alvoroço quando confirmaram a primeira passagem pelo país.

Além de fomentar a vinda de atrações internacionais ao Brasil, os festivais servem de vitrine a artistas menos conhecidos. "Vou ao Popload, mesmo sem saber o line-up [ainda não divulgado], pois conheço bandas novas", conta a atriz e blogueira Julia Faria, 31, sobre o evento indie -neste ano, a série de shows paralelos à programação principal trará nomes como Devendra Banhart e Sigur Rós.

Para Julia, mesmo quem não gosta de festivais sai no lucro. "Os artistas sempre acabam fazendo shows adicionais para o público mais específico." Herdeira do gosto musical dos pais, lembra que seu nome foi escolhido a partir do da mãe de John Lennon —o irmão, João, foi batizado depois do músico. Não por acaso, Julia pretende assistir ao show de Paul, a quem já viu três vezes e veria sempre "com a mesma intensidade".

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