Conheça seis dramaturgas que estão movimentando a cena teatral de São Paulo

Rafael Jacinto e João Kehl/Folhapress
Seis expoentes da nova geração de dramaturgas de São Paulo
Seis expoentes da nova geração de dramaturgas de São Paulo

Desde que as reivindicações feministas passaram a ganhar visibilidade, as atenções têm se voltado para a produção de mulheres em diversas áreas. "Não seria diferente com a dramaturgia", conta Michelle Ferreira, 35, autora de 12 peças. "Ninguém está fazendo um favor de olhar para nós. As mulheres estão produzindo um monte mesmo."

A dramaturga Vana Medeiros, 30, concorda. Para ela, é possível notar um aumento no número de autores teatrais por conta da criação de cursos especializados, como o da SP Escola de Teatro e o núcleo do Sesi-British Council. Vêm surgindo não apenas locais para a formação de novos autores, como também espaços para a discussão do que tem sido criado.

A sãopaulo conversou com seis autoras expoentes da nova geração de artistas que está produzindo espetáculos na capital. Elas falam de suas trajetórias, de seus processos criativos, de suas inquietações e dos livros que as inspiram.

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Silvia Gomez

Foi por um emprego de jornalista que Silvia Gomez, 40, trocou Belo Horizonte por São Paulo, em 2001. Apesar de ter iniciado a relação com o teatro na cidade natal, a mineira se tornou dramaturga na capital paulista, onde teve cinco textos encenados.

"Tenho muitas dúvidas sobre tudo", conta Silvia. Talvez, por isso, suas peças tragam mais perguntas do que respostas.

Durante oito anos, ela integrou o CPT (Centro de Pesquisa Teatral), coordenado por Antunes Filho. "Aprendi ali que dramaturgia é uma coisa cavada dentro da própria carne."

Desde o início, Silvia escreve sobre seus medos. Em "Mantenha Fora do Alcance do Bebê", texto premiado, duas mulheres expõem suas questões sem filtro. "Pela minha experiência, a mulher que fala paga um preço alto, pois ela é bem-vinda calada. Para ir contra isso, é importante minhas personagens dizerem o que quiserem."

João Kehl e Rafael Jacinto/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 21-09-2017: Jovens dramaturgas. Silvia Gomes (Foto: João Kehl e Rafael Jacinto/ Folhapress) * FSP-REVISTA SAO PAULO * EXCLUSIVO FOLHA** *FOTO DE USO EXCLUSIVO FOLHAPRESS**
A dramaturga Silvia Gomez

Aos poucos, porém, suas angústias tomaram proporções maiores. "É sempre sobre mim, mas a questão é me entender como sintoma da sociedade em que vivo e ampliar o olhar, mergulhar na pele do outro e buscar contradições", explica a autora, que não é integrante de nenhuma companhia. Por conciliar duas carreiras —escreve para um revista de arquitetura—, ela prefere trabalhar com diferentes parceiros a cada projeto.

É da realidade que ela retira sua inspiração para criar. Seu texto mais recente, "Marte, Você Está Aí?", aborda de forma distópica o momento político brasileiro, e o novo espetáculo que está escrevendo fala sobre estupro coletivo. Mas Silvia prefere observar o mundo por camadas não-realistas. "Quando escrevo para o teatro, preciso ser livre. A dramaturgia é o lugar onde consigo fazer digestão", afirma.

Sem previsão de estreias.

Seu livro de cabeceira:
"Poesia Reunida", de Adélia Prado
"Sintoniza a camada além da realidade, alcançando a transcendência."

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Michelle Ferreira

Aos nove anos, a paulistana Michelle Ferreira roubou a Olivetti do avô e escreveu um texto para apresentar no colégio. As amigas eram as cobaias: ela as convencia a trocar o parquinho e a piscina da casa onde morava em Atibaia, a 64 km da capital, pelo ensaio. "Era incessante", lembra.

Hoje, aos 35 anos, a brincadeira é bastante séria. E a vontade ininterrupta de fazer segue a mesma. "Estou louca para chegar aos 80. Preciso acreditar que o melhor ainda está por vir. Quero cada vez mais escrever um texto melhor."

Michelle se formou como atriz na Escola de Arte Dramática da USP e como autora no CPT (Centro de Pesquisa Teatral), coordenado pelo diretor Antunes Filho —assim como Silva Gomez, ficou oito anos lá.

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SAO PAULO, SP, BRASIL, 21-09-2017: Jovens dramaturgas. Michelle Ferreira (Foto: João Kehl e Rafael Jacinto/ Folhapress) * FSP-REVISTA SAO PAULO * EXCLUSIVO FOLHA** *FOTO DE USO EXCLUSIVO FOLHAPRESS**
Michelle Ferreira, em São Paulo

Das 12 peças que escreveu, apenas uma ainda não foi montada. Não tem nenhuma na gaveta: costuma trabalhar por encomenda, mas também cria para seu grupo, A Má Companhia Provoca, no qual dirige e atua. Neste momento, dedica-se ao próximo projeto do coletivo e ao roteiro de um longa, uma comédia romântica, ambos com estreias previstas para o ano que vem.

"Criei minha escrita muito a partir de constatações sobre o mundo de hoje. Agora, quero apontar para o futuro", explica ela, duas vezes finalista do Prêmio Luso-Brasileiro de Dramaturgia (em 2009, com "Reality Final", e, em 2011, com "Tem Alguém que nos Odeia") e indicada ao Prêmio Shell 2013 de melhor autora, por "Os Adultos Estão na Sala".

Em suas peças, Michelle apresenta questões contemporâneas com humor. "Acho que a dramaturgia, no geral, precisa apontar para a revolução. Pode parecer piegas, mas se em um momento político como este o teatro não indicar um novo Brasil, o que vamos fazer?", indaga.

'Não Somos Amigas'. Teatro Sérgio Cardoso. R. Rui Barbosa, 153. Seg. sab.: 20h; dom.: 19h30. Até 2/10. Ingr: R$ 40.

Seu livro de cabeceira
"O Segundo Sexo", de Simone de Beauvoir
"A virilidade não é privilégio masculino."

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Dione Carlos

Quando deixou o Rio e veio para São Paulo apaixonada por um paulistano, Dione Carlos, 39, tinha uma ideia clara: estudar jornalismo e trabalhar na "National Geographic". O primeiro sinal de que seu caminho seguiria outro rumo veio na faculdade. "Uma professora disse que meu texto era muito poético e pouco objetivo", relembra ela, radicada há 19 anos na capital.

Dione tentou cursar psicologia e veterinária, porém foi sendo "convocada" pelo teatro. Primeiro como atriz e depois, aos 32 anos, como autora. Ela integrou, em 2011, a primeira turma de dramaturgia da SP Escola de Teatro

E é essa tal "convocação" que a guia até hoje, seja para pensar sobre qual tema se debruçará, seja para escolher parceiros de trabalho. Dione não é parte de nenhum coletivo, mas grupos como o Club Noir e a Companhia do Mofo já montaram suas peças. A próxima será a Cia. Livre.

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SAO PAULO, SP, BRASIL, 21-09-2017: Jovens dramaturgas. Dione Carlos (Foto: João Kehl e Rafael Jacinto/ Folhapress) * FSP-REVISTA SAO PAULO * EXCLUSIVO FOLHA** *FOTO DE USO EXCLUSIVO FOLHAPRESS**
A jovem dramaturga Dione Carlos

Para ela, escrever é um ato obsessivo. "Não durmo, não como. A coisa me toma. Não falo sobre o que está legal, mas sobre o que incomoda. Onde me dói é a dramaturgia", explica a autora, que, neste mês, lança pela editora Primata seu primeiro livro, "Dramaturgias do Front".

Dione percebe uma mudança em relação ao seus textos. Se no começo de sua carreira eram os assuntos ligados à ancestralidade e à oralidade que mais a instigavam, hoje ela vive um momento de olhar para as coisas do presente. Tanto que escreveu uma peça, que deve estrear em 2018, inspirada na história da ativista paquistanesa Malala e no movimento secundarista.

"Quero escrever para deixar um legado e para que, amanhã, uma outra Dione seja convocada pela escrita", conta.

"Kaim". Teatro Centro da Terra. R. Piracuama, 19, Sumaré. De 6 a 15/10. Sex.: 21h. Sáb.: 20h. Dom.: 19h. Ingr.: R$ 30

Seu livro de cabeceira:
"Amada", de Toni Morrison
"Recria uma narrativa para os esquecidos, dá voz aos mortos."

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Maria Shu

"Nossa, mas você é uma dramaturga negra." Quando começou a escrever peças há sete anos, a baiana Maria Shu, 40, diz que não tinha consciência da responsabilidade dessa frase. "Muitas pessoas pensam que um negro só pode abordar negritude, religiões de matriz africana e racismo. É claro que falo sobre isso. Mas não quero cercear minha liberdade de escrita", diz a dramaturga e professora de português.

Independentemente do tema, seu processo criativo só começa ao criar empatia com o assunto e encontrar a metáfora para ele. "Escrever me ajuda a organizar dores, mesmo que não sejam minhas. Não há lugar de que gosto mais de estar do que dentro dos meus textos", explica.

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SAO PAULO, SP, BRASIL, 21-09-2017: Jovens dramaturgas. Maria Shu (Foto: João Kehl e Rafael Jacinto/ Folhapress) * FSP-REVISTA SAO PAULO * EXCLUSIVO FOLHA** *FOTO DE USO EXCLUSIVO FOLHAPRESS**
Maria Shu, autora de "Epifania"

Apesar de ter nascido na Bahia, Shu (o nome artístico vem de um apelido na infância), com 15 dias de vida, já estava em São Paulo. Foi na capital que ela montou cinco espetáculos, caso de "Cabaret Stravaganza", com Os Satyros. No fim de setembro, seu texto "Ar Rarefeito" recebeu uma leitura encenada em Portugal. Neste mês, o monólogo "Epifania" estreia no Viga Espaço Cênico, na zona oeste de São Paulo.

Além de peças, Shu escreve crônicas. Ela pensa em criar um livro de textos com recorte racial. A ideia é mostrar como o racismo opera de diferentes formas, da infância à vida adulta. A autora tem compartilhado algumas memórias sobre esse tema em sua página em uma rede social.

"Não gosto quando as pessoas falam que sou uma das únicas dramaturgas negras que elas conhecem. Quero que várias escrevam para que possamos dialogar. Como diz Nina Simone, uma mulher negra pode e precisa refletir sobre seu tempo", conta.

"Epifania". Viga Espaço Cênico. R. Capote Valente, 1323, Pinheiros. De 6 a 27/10. Sex.: 21h. Ingresso: R$ 20.

Seu livro de cabeceira:
"Quarto de Despejo", de Carolina Maria de Jesus
"É resistência, inteligência e a potência de uma mulher negra."

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Vana Medeiros

A porta de entrada da paulistana Vana Medeiros, 30, para o teatro foi a atuação. "Posições de comando, como dramaturgia e direção, não estão associadas à figura feminina. Então, quando você gosta de teatro, pensa que só pode ser atriz", analisa a autora.

Foi em 2013, quando passou a estudar dramaturgia após largar o emprego de jornalista, que a história mudou. Nesse mesmo ano, ela e outros dois colegas fundaram o coletivo Malditos Dramaturgos.

Mesmo tendo a discussão de textos teatrais como foco, e não a apresentação de espetáculos, o grupo está criando uma peça a 12 mãos sobre amor e violência. "Gosto de produzir individualmente, mas tenho como escolha política nunca abandonar o processo colaborativo por acreditar na força que tem um coletivo", comenta Vana, que também é parte da Humana Companhia.

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SAO PAULO, SP, BRASIL, 21-09-2017: Jovens dramaturgas. Vana Medeiros (Foto: João Kehl e Rafael Jacinto/ Folhapress) * FSP-REVISTA SAO PAULO * EXCLUSIVO FOLHA** *FOTO DE USO EXCLUSIVO FOLHAPRESS**
A dramaturga Vania Medeiros

Apesar de abordar em seus textos questões inerentes ao cotidiano de uma grande metrópole, como a falta de comunicação entre as pessoas, Vana preocupa-se em sempre trazer a figura da mulher em suas peças. "Precisamos superar a barreira de como a mulher é representada. O olhar masculino ainda impera e está embutido no nosso inconsciente: só conseguimos nos ver a partir de como um homem nos enxerga."

Das sete peças que escreveu, três já foram montadas —"Entre o Trem e a Plataforma", dirigida por André Cortez, encerrou a temporada no Centro Cultural São Paulo em 28/9. Seu texto "Desculpa. - Uma inconveniência em Seis Partes" foi selecionado para ser lido em dezembro, no México, dentro do projeto Corredor Latino-Americano de Teatro, e, em 2018, no Chile, durante a conferência Women Playwrights.

Sem previsão de estreias.

Seu livro de cabeceira:
"Insubmissas Lágrimas de Mulheres", de Conceição Evaristo
"Ensinou que a voz com que nós, mulheres, contamos a nós mesmas precisa ser a voz da insubmissão."

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Angela Ribeiro

Neste ano, a paraense Angela Ribeiro, 42, teve seu primeiro texto em cartaz, "Refluxo". E, por ele, foi indicada como melhor autora no Prêmio Shell 2017. "É tudo muito novo, ainda estou tentando entender."

O espetáculo foi criado em 2015 durante sua formação no núcleo de dramaturgia Sesi-British Council, coordenado por Marici Salomão e César Baptista. Antes, Angela tinha feito uma oficina de dramaturgia e escrevia de forma coletiva as peças da Cia. Bruta de Arte, na qual também atua.

Sua trajetória no teatro, na verdade, começou com a atuação. Ela é formada pela Escola de Arte Dramática da USP e frequentou o CPT (Centro de Pesquisa Teatral), entre outras experiências.

Apesar de seguir atuando, hoje se dedica mais à escrita. "É libertador perceber a dramaturgia como uma força de transformação capaz de tocar as pessoas e de revisar a si próprio ", afirma a autora, que se mudou para São Paulo, em 1999, para cursar publicidade.

João Kehl e Rafael Jacinto/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 21-09-2017:Jovens dramaturgas. Angela Ribeiro(Foto: João Kehl e Rafael Jacinto/ Folhapress) *** FSP-REVISTA SAO PAULO *** EXCLUSIVO FOLHA*** FOTO DE USO EXCLUSIVO FOLHAPRESS
Angela Ribeiro, dramaturga da nova geração de São Paulo

Das cinco peças que escreveu individualmente, Angela enxerga o amor como tema recorrente. Não o amor romântico. Em "Refluxo", por exemplo, o protagonista é um ascensorista apaixonado pelo emprego. A peça "Parto-me", que ainda está escrevendo, fala sobre a paixão de uma mãe pelo filho que ainda está por vir.

Nos últimos três textos, porém, sente que as questões femininas tomaram protagonismo. "Os temas nascem de uma inquietude, algo que pulsa em mim. As questões da mulher estão fortes agora, mas escrevo sobre o mundo que me cerca. Um homem não é cobrado de escrever sobre ser homem", diz.

"Oliver Twist". Sesc 24 de Maio. R. 24 de Maio, 109. De 29/10 a 12/11.

"In.Cômodos". Em novembro, espaço a definir.

Seu livro de cabeceira:
"Teoria King Kong", de Virginie Despentes
"É soco no estômago. É mulher na sua profunda potência. É encontro com o concreto. É urgência de gritar o que se é."

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