Paulistano opta por doar corpo para estudos e é perguntado 'se está louco'

Romolo

Um corpo sem vida geralmente tem três destinos: ser enterrado (e comido por bichos), virar cinzas ou contribuir para a medicina.

Os dois primeiros são os mais comuns e não costumam causar estranhamento. Já a ideia de doar um cadáver para ser estudado em uma universidade pode fazer muita gente torcer o nariz. "Você está louco?", foi a reação mais comum que o publicitário Persio Pisani, 78, ouviu quando contou essa vontade aos amigos. "Há muitos anos, li sobre a carência de corpos para estudos e pensei: por que não? Um cadáver pode ser útil."

Qualquer um pode ser doador e não há limite de idade —a única regra é que a morte tenha sido por causas naturais. "Suicídio, assassinato ou atropelamento impedem a doação", explica Magno Vieira, 59, biólogo e professor de anatomia da Escola Paulista de Medicina há 33 anos. Também não há impedimento para realização do velório ou mesmo a doação dos órgãos antes de a família enviar o corpo para a faculdade. Mas, uma vez entregue, não é possível mais visitar o parente nem levar flores, por exemplo.

Para formalizar a decisão, a pessoa precisa preencher um documento (leia abaixo), assiná-lo, reconhecer firma em cartório e, depois, entregar o formulário original na faculdade escolhida.

E o mais importante: comunicar a família.

A decisão é garantida pela legislação. A lei 8.501, de 1992, e o artigo 14 da lei 10.406, de 2002, regulamentam a doação de cadáver para ensino e garantem que o corpo será utilizado apenas para esse fim. Também abrem o direito de a pessoa voltar atrás e revogar a resolução em qualquer momento.

Nas faculdades, os corpos são material de estudo em diferentes disciplinas. Uma das vantagens de usar cadáveres é que a imperfeição humana é difícil de ser copiada ou prevista. Ainda que atualmente os recursos tecnológicos e os modelos em 3D estejam avançados e precisos, nada substitui o corpo real. Vieira o compara a uma cidade. "Se você nunca esteve em um lugar, pode até fazer um tour virtual em que vê as ruas, os prédios, o trânsito. Mas você realmente conhece essa cidade?", pergunta.

Aluna do primeiro ano de medicina na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa, Giovanna Leoneli, 24, concorda. Ela teve aulas de anatomia com "peças de estudo" logo no início da graduação, que é como ela se refere aos corpos usados em laboratório. "Quando me formar, vou trabalhar com gente, não com bonecos."

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COMO FAZER A DOAÇÃO

1. Para que um corpo possa ser usado em pesquisas, é preciso optar por isso em vida e ser maior de idade. No caso de menores, os responsáveis legais devem assinar um documento legal que autorize a doação

2. O primeiro passo após a decisão tomada é preencher o termo de doação, assiná-lo, reconhecer firma em cartório e enviar o documento original para a instituição de ensino escolhida. Veja formulários aqui e aqui.

3. A família precisa saber da escolha. É ela quem vai comunicar a faculdade e se encarregar de levar o cadáver até lá

4. Corpos ou parte deles são usados por estudantes de medicina, biomedicina, enfermagem, fonoaudiologia e tecnologia em saúde. Também são úteis em pesquisas científicas e para médicos que estudam novas técnicas de cirurgia. O acesso só é permitido a alunos, pesquisadores, professores e técnicos de laboratório

5. Um corpo doado pode ser utilizado por mais de 50 anos. Quando não tiver mais condições, ele (ou parte dele) é enterrado em um cemitério municipal. Todos os anos, em julho, quando é celebrado o Dia do Anatomista (31), há uma cerimônia ecumênica em homenagem a essas pessoas

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