Pai de homem transexual, Marcelo Tas fala sobre aceitação, aprendizado e preconceito

Apresentador, 58 anos, morador do Jardim Paulistano, pai de Luc, 29, Miguel, 17, e Clarice, 13

É como ligar outro relógio. Enquanto você não tem filhos, ele não é tão relevante assim. Você pode trocar de cidade, chutar o balde, mudar tudo. Ser pai dispara um cronômetro que vai estar com você para o resto da vida, e as coisas que acontecem com os filhos passam a te transformar também.

O Luc sempre foi alguém que me trouxe desafios. Ainda na adolescência, ele se assumiu bissexual. A transexualidade não teve uma data específica mas, fazendo um retrospecto, lembrei que, quando criança, ele já tinha uma identificação com o gênero masculino. Ele se fantasiava de soldado e não gostava de vestidos, por exemplo.

Foi uma nova surpresa quando ele trouxe isso. Resolvi estudar para entender que não tem nada a ver com sexualidade, e, sim, com identidade. Percebi o quanto essa questão é central, a fundamental importância que a identidade tem na maneira que a gente enxerga o mundo e o mundo nos enxerga.

A Clarice e o Miguel me ajudaram muito. Na fase mais dramática, quando fui apoiá-lo a mudar o nome e contar para a família, a Clarice falou: 'O Luc é a mesma pessoa. Em vez de falar ela, nós vamos falar ele'. É assim mesmo, simples. E a gente faz um terremoto, deputados entram em discussões, surge o preconceito. Pessoas são assassinadas por causa de algo muito particular, algo que não deveria ser tratado com violência.

Comecei a receber mensagens muito fortes de filhos que apanham, que vivem situações quase que de prisão. E eu me sinto muito grato ao Luc porque ele me ensinou. Eu era ignorante, e a ignorância acompanha o preconceito. Todo pai tem que apoiar com afeto, procurar se colocar no lugar, ouvir, tentar entender a situação sem ser omisso.

Não foi fácil na família, mas teve uma coisa muito amorosa, que despertou uma transformação em todo mundo. Resolvi contar pessoalmente para os meus pais, que moram em Ituverava [interior de SP]. Meu pai, depois de ouvir em silêncio, contou que eles estavam com uma cozinheira nova. Ele disse: 'A Luciana é ótima, mas o pessoal descobriu que ela é travesti e queria que a gente a demitisse. Eu pensei, ela chega no horário, cozinha bem, é educada, pra que eu vou demitir? Parece que Deus mandou a Luciana pra gente receber o Luc.' Foi outra questão entre pai e filho, e percebi nele esse amor, essa generosidade.

O maior presente que um pai pode ter é a conexão com os filhos. Acho que a maior dificuldade é manter essa conexão num mundo assustador. Tem muito pai que olha para qualquer mudança e simplesmente se afasta. Isso é trágico, porque quando ele quiser retomar, talvez seja tarde demais. O filho pode já ter ido –depois de uma idade, eles vão mesmo. E esse é um tempo que não tem como se ganhar de novo.

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