Ruta 68 em Salta, na Argentina, corta desertos repletos de cânions avermelhados

Roberto de Oliveira/Folhapress
Estrada de Salta, na Argentina
Estrada de Salta, na Argentina

Pode até ser que você não tenha ouvido falar de Salta, mas certamente vai ficar com água na boca ao ler as duas palavras a seguir: "empanada salteña".

Elas são motivo de orgulho dos moradores dessa província no noroeste da Argentina, vizinha do Chile, do Paraguai e da Bolívia. Salta, porém, tem mais a oferecer do que a saborosa massa assada, recheada de carne cortada na ponta da faca, acompanhada de cebola, batata e ovo cozido, para comer em duas mordidas com molho de tomate e pimenta.

A capital que carrega o nome da província preserva um importante legado colonial: sua arquitetura. Um dos destaques é a colorida fachada da Igreja de São Francisco e seu vistoso campanário. A praça principal, a Nove de Julho, é um convite para passear e perceber que por lá os espaços públicos são, sim, ocupados e desfrutados.

O mergulho nessa cultura completa-se a um par de quadras adiante, ao visitarmos sua catedral em estilo rococó do século 19.

Mas é nos arredores que Salta oferece o seu prato principal: a sinuosa Ruta 68, onde áridos desertos de terra vermelha se encontram com as montanhas nevadas, rios e vales. Ao fundo, emoldurando o cenário, a cordilheira dos Andes. Com asfalto conservado e bem sinalizada, de pouco trânsito, a rodovia possui 189 km de extensão, ligando a capital à pequenina cidade de Cafayate, terra de premiados vinhos argentinos.

Dá para alugar um carro, fazer um tour com motorista ou, para os mais aventureiros, encarar o trajeto de mountain bike.

Seja qual for sua escolha, faça-o durante o dia, para apreciar cada detalhe da paisagem. De automóvel, reserve ao menos cincos horas, tempo suficiente para ir observando as belezas do caminho.

Aproximadamente 50 minutos depois de sair da região central de Salta, o relógio biológico pede um pit stop na estância Las Cabras. Ali é um bom lugar para saborear um sanduíche de queijo de cabra, uma colher do clássico doce de leite argentino e dois dedinhos de café.

Amistosas, as bichinhas que emprestam o nome à paragem se aproximam.

Saltitantes, parecem antecipar a festa que virá pela frente: um impressionante festival de cânions de paredes multicoloridas.

Até então dominante na paisagem, o verde sai de cena e dá lugar ao ocre, ao bege, ao salmão, ao terracota. Uma paleta de cores próprias é ofertada pela Quebrada das Conchas ou Quebrada do Cafayate –os cânions por lá são chamados de quebradas.

Ao ser cortado pelo rio Las Conchas, que corre por vales e desfiladeiros, o trajeto foi todo talhado por formações rochosas avermelhadas, sob um céu anil. Esses paredões ganharam as mais variadas formas devido às movimentações de placas tectônicas e às erosões hídricas e arenosas ocorridas durante milhares de anos.

Num antigo trecho da via, sem qualquer tipo de aviso, existe uma pequena ponte próxima ao quilômetro 42. Foi lá que gravaram cenas de uma das seis histórias curtas do filme argentino "Relatos Selvagens" (2014), dirigido por Damián Szifron, na qual as pessoas vivem situações-limite que deságuam em um irrefreável sentimento de desforra.

Outros cenários vão surgindo ao percorrer a estrada. Paramos na Garganta del Diablo. Uma fissura estreita e profunda na montanha, com longos veios de rocha, cujos paredões chegam a alcançar 50 metros de altitude.

O Anfiteatro, outra escultura moldada em conjunto pela ação do tempo e da natureza, destaca-se não só por sua estética como também por sua acústica, proporcionada pela abertura circular. Essas formações icônicas de pedra vermelha formam o coração do Vale Calchaquíes.

Há aqueles, porém, que veem borboletas, unicórnios, diabos e outras imagens nas rochas. O Sapo, contudo, ninguém dúvida: é sapo mesmo. Formação com corpo e cara do bichinho, só que em proporções demasiadamente grandes.

O verde volta a dar o ar da graça ao nos aproximarmos de vinhedos e bodegas que circundam Cafayate. É ali, dizem os argentinos, que ocorre a produção de vinho mais alta do planeta, entre 1.700 m e 3.300 m.

Pequenina e aconchegante, a cidade transpira clima pacato de interior. Dois dias são suficientes para conhecer a região, visitar suas vinícolas e degustar alguns de seus rótulos. Entre eles, a prata da casa, o torrontés, vinho branco levemente doce, frutado e de pouca acidez.

No caminho de volta a Salta, vai bater uma tentação por novas paradas pela Ruta 68, a fim de mirar outros bichos e deuses. Talvez alguém diga que essas miragens sejam efeito tardio do vinho, que segue lentamente a evaporar pelo corpo.

Marcelo Pliger
Mapa da Ruta 68, em Salta, na Argentina
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