Cotidiano

Escola leva comida biodinâmica e artes a estudantes do Jardim Ângela

A garotada tem entre sete e oito anos e, como faz todo dia, naquela quinta em que recebeu a reportagem da sãopaulo, ajudou a preparar o almoço na cozinha que fica na sala de aula. Quibe com abóbora e queijo, arroz integral com cenoura, inhame refogado, lentilha, todos os legumes e as verduras plantados e colhidos na horta pelos estudantes. Eles, aliás, acompanham a mudança da plantação, de orgânica para biodinâmica, o que envolve o enriquecimento natural da terra e a influência dos astros no cultivo.

Esta escola de São Paulo não fica na Vila Madalena, no Itaim Bibi ou em qualquer bairro de elite, mas no Jardim Ângela, na periferia da zona sul, que já teve no currículo o título nada nobre de "o mais violento do mundo", numa classificação da ONU. Por isso, o nome: Escola de Resiliência, palavra que o dicionário Houaiss define como "capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte e às mudanças".

Cercado pelo alaranjado dos tijolos da favela, o oásis verde tem cerca de 20 mil m², com bebês tirando uma soneca, crianças jogando amarelinha, confeccionando suas mochilas com couro, recitando poemas, jovens dançando, fazendo teatro, capoeira.

O projeto é baseado na pedagogia Waldorf, de origem alemã, que valoriza o contato com a natureza, o movimento corporal e as artes. Contrária ao avanço da tecnologia entre as crianças, ela cresce no mercado brasileiro de escolas particulares. As mensalidades costumam ficar acima da média, algumas perto dos R$ 3.000.

No Jardim Ângela, os 700 alunos, de famílias de baixa ou nenhuma renda, são atendidos gratuitamente. Convidados a se engajar na educação dos filhos, muitos pais aproveitam o desemprego para colaborar. Pintam paredes, auxiliam professores, trabalham na horta. Informalmente, as atividades se tornam terapia para dependentes de álcool ou drogas e oportunidade de reinserção social para ex-presidiários.

As raízes do colégio estão na Associação Comunitária Monte Azul, fundada nos anos 1970 pela educadora alemã radicada no Brasil Ute Craemer, 80. Em 2015, foi assumido pela Associação Pedagógica Rudolf Steiner, da qual fazem parte a primeira escola Waldorf de São Paulo e a única faculdade de pedagogia do país ligada ao método.

Localizadas no Alto da Boa Vista (zona sul) e particulares, elas concedem bolsas para formar professores da Resiliência. É o caso de Ana Elisa Santana, 30, que fez cursos na associação quando adolescente e agora é a professora do 2º ano –a sala do almoço com quibe vegetariano. Emociona-se ao explicar a importância de ir além de números em uma área como aquela. "Não é uma sala com 24 crianças. É a sala da Ana Clara, da Ísis, do Gabriel... São 24 indivíduos."

Quem conhece praticamente todos os 700 indivíduos pelo nome é Mário Zoriki, 64, o tio Mário, educador que, na década de 1980, deixou casa e trabalho em bairros de classe média para ajudar a construir o projeto no Jardim Ângela, onde passou a morar. Administrador do local, vive abraçado pelas crianças. "Já teve uma época em que havia corpos pelas ruas; hoje, estamos cercados pelo tráfico. Mas, na escola, nunca tivemos problemas de violência", diz.

Alunos do ensino médio da Escola Waldorf Rudolf Steiner, cuja mensalidade gira em torno de R$ 2.000, passam uma semana na Resiliência, como parte do programa pedagógico. A experiência mais recente foi registrada no jornal "Nós", feito por eles: "Devemos gerar essa corrente do bem, causando mudanças positivas em ambientes diferentes dos nossos, para que possamos evoluir como sociedade e como pessoas".

Em um livreto de poemas editado pela associação Monte Azul, o filósofo alemão Goethe (1749-1832) parece comentar as possibilidades dessa conexão: "O amor não domina, contudo forma, e isso é mais".

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