Quilombos e rota da cerâmica mostram que o Vale do Ribeira vai além das cavernas do Petar

Ditão está sentado em um banquinho de madeira com a camisa aberta até a metade e um sorriso largo que toma conta do bar repleto de potes com doces caseiros. "Turismo é educação. Faz com que pessoas nos conheçam
e superem esse preconceito de que negro é tudo bandido", diz o quilombola de 63 anos.

Benedito Alves da Silva, mais conhecido como Ditão, é um dos líderes do quilombo Ivaporunduva, um dos 11 que existem na cidade de Eldorado (SP). A conversa no fim da tarde, quando o sol tinge de laranja as nuvens, finaliza a visita à comunidade do vale do Ribeira, que fica a 245 km de São Paulo (ou quase quatro horas de carro da capital).

Geralmente silenciosa e sossegada, a região se viu no meio de uma polêmica nacional recentemente. Em abril do ano passado, o então deputado Jair Bolsonaro afirmou durante uma palestra no clube Hebraica do Rio que havia visitado uma dessas comunidades. Segundo ele, "o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas" e "nem para procriador ele serve mais". O Ministério Público Federal entrou com uma ação contra as declarações. No início de outubro, a Justiça condenou o presidente eleito a pagar R$ 50 mil por danos morais. Ainda cabe recurso.

Quem quiser pode conhecer os quilombos do Vale do Ribeira com os próprios olhos. De todos, Ivaporunduva é o que mais oferece estrutura. A partir de um projeto de turismo comunitário que existe desde 1998, as visitas hoje representam a segunda maior fonte de renda, atrás apenas do cultivo orgânico de banana.

A programação tem início com a história do povoado, que teria sido fundado às margens do rio Ribeira, entre os séculos 16 e 17, por negros fugidos ou por escravos cujos senhores sem filhos haviam morrido.

Depois da palestra, é hora de aprender a fazer construções de pau a pique e de dar um mergulho no rio para tirar a lama do corpo. Na plantação de banana, os dedos na terra dispensam agrotóxico. No almoço, conhece-se receitas de banana assada, doce de leite e pratos com palmito pupunha. Pacotes partem de R$ 305 por grupo de até 40 pessoas. Há opção de dormir na pousada local (diária de R$ 155 por pessoa, com pensão completa; mais informações em ivaporunduva@gmail.com).

O dia é finalizado com a conversa guiada por Ditão. Quem tiver disposição pode ainda se arriscar no salão colado à igrejinha colonial, de 1630. Historiadores afirmam que, séculos atrás, o espaço abrigava a Casa Grande da propriedade que existia ali. Hoje, o lugar recebe os bailes da comunidade, marcados pelo sertanejo e pela sofrência que vibram as portas de madeira madrugada adentro.

Destino do sul paulista, o Vale do Ribeira é mais conhecido por suas cavernas. São cerca de 400, mas somente uma pequena fração delas está aberta ao público, principalmente no Petar (Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira) e no parque da Caverna do Diabo.

Isso porque o Ibama proibiu a entrada de turistas nas grutas em 2008. Danos ambientais, visitação sem controle e pessoas que levavam pontas de estalactites como recordação embasaram a decisão do órgão. Após dois meses de interdição, o governo de São Paulo criou um plano de emergência, ainda em vigor, que permitiu a abertura de 12 cavernas no Petar. Na Caverna do Diabo há apenas uma.

Mas nem tudo está na escuridão. Além dos quilombos, há outras atividades para quem quer ficar longe de estalactites e estalagmites. Na região que liga os municípios de Apiaí, Itaoca e Barra do Chapéu, por exemplo, a variedade de minerais no solo criou uma rota da cerâmica.

Ali, artesãos confeccionam peças em fornos artesanais que ultrapassam os 1.000ºC. Para visitá-los, o ponto de partida é a Casa do Artesão de Apiaí. De lá, pode-se ir ao ateliê de Abrão Machado de Lima, em Itaoca, onde há panelas, moringas e outros objetos de cozinha. Preços variam de R$ 20 a R$ 50, em média (informações: 15 99646-4090). Ou à Arte Looze, oficina que aposta em objetos mais decorativos (facebook.com/jaquelooze ).

Em comum está a técnica. A argila é coletada manualmente, triturada e socada em pilão até virar pó. Depois, mistura-se o composto à água, dando liga à massa que moldará o objeto. Quando estiver seca, uma pedrinha é usada para polir e dar brilho ao material. É só então que o artesanato vai para o forno, colocando ponto final em um processo que leva de cinco a oito dias.

Após tanto trabalho, ainda dá tempo para relaxar em alguma cachoeira do vale. A das Arapongas, dentro do Petar, está entre as mais famosas. Mas a do Meu Deus dá um banho.

O ingresso custa R$ 15 e é preciso caminhar no meio da mata atlântica em uma trilha de 20 minutos, na qual é impossível não molhar o tênis na água. Mas logo chega-se a uma queda de mais de 50 metros. Nos dias ensolarados, nuvens de gotículas criam pequenos arco-íris. A boca fica aberta. E, então, alguém sussurra o nome do lugar: Meu Deus.

O jornalista se hospedou a convite do Glamping Mangarito

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GLAMPING

Criado em 2014 aos pés do Petar, o glamping Mangarito para ser opção a visitantes que desejam hospedagens de alto padrão.

A palavra glamping resulta da junção das palavras camping e glamour. O objetivo é oferecer conforto e, ao mesmo tempo, levar o hóspede a destinos com atrativos naturais –conhecido fora do Brasil, esse tipo de hospedagem já existe no país em lugares como Jalapão (TO), Amazônia e Cambará do Sul (RS), por exemplo.

"Conseguimos atrair público que antes não vinha ao Petar. Brasileiro gosta de conforto: ar condicionado, televisão, produtos de qualidade, personalização", diz Junior Petar, um dos donos.

Atualmente, são duas cabanas de 32 m². Todas com aquecimento, ar-condicionado, televisão, internet e mimos no banheiro. Há spa com massagens e tratamentos e, durante a alta temporada, o restaurante serve pratos com produtos locais, como espaguete de palmito pupunha.

As diárias custam a partir de R$ 400 por casal.

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QUEM LEVA

Parque Aventuras
A partir de R$ 1.120 por casal. Duas noites em quarto duplo no Glamping Mangarito com meia pensão. Inclui guia, equipamentos de segurança, ingressos e seguro
Tel. (15) 99745-5040

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Desviantes
Quatro dias, em janeiro, a partir de R$ 1.450. Hospedagem na Pousada das cavernas, em quarto duplo, com pensão completa. Inclui transporte, seguro-viagem e passeios
Tel. 98191-0999

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