Piaba de Ouro, maracatu de Olinda, é celebração folclórica criada por familiares do mestre Salustiano

Adriano Vizoni/Folhapress
Gabriel, 13, caboclo de lança do maracatu). (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress)
Gabriel, 13, caboclo de lança do maracatu

Arrodeada de morros da chapada pernambucana, Aliança, cidadezinha hoje com menos de 40 mil habitantes, seguia pacata praticamente o ano inteiro. Isso até o Carnaval chegar, quando uma explosão de criatividade germinou o solo seco, fazendo florescer casas, ruas e canaviais.

Vieram dias de festa!

Dias esses celebrados com entusiasmo pelo então cortador de cana Manoel Salustiano. Nos anos 1950, ele se mudaria com a família para Olinda (PE), na região metropolitana do Recife, carregando consigo, mais que os poucos pertences pessoais, uma já volumosa bagagem cultural.

Em setembro de 1977, Manoel seria, com justiça, alçado à categoria de mestre ao fundar, ao lado de dois amigos, um dos grupos folclóricos que se tornaria parte da tradição de Pernambuco: o Maracatu Piaba de Ouro.

Seu filho Pedro Salustiano lembra-se com carinho de quando, ainda menino de colo, sentia brilhar os olhinhos ao ver a cumeeira da casa tomada pelos chapéus coloridos (antes chamados de "funis"), pelos mantos bordados à mão (as "golas") e pelas lanças cobertas de tecidos recortados (as "guiadas"). O garoto cresceu ao som do "surrão" (ou "matinada"), uma peça grande de madeira coberta de lã que leva até dez sinos e é carregada pelo caboclo de lança, símbolo máximo do maracatu de baque solto (ou rural).

Secular manifestação da cultura brasileira, o maracatu agrega elementos de matriz africana, com influência indígena, e do corte da cana-de-açúcar na zona da mata pernambucana.

"Nasci numa grande brincadeira", recorda-se Pedro, 39, sorriso largo no rosto, durante prosa na sede do grupo, em Cidade Tabajara, na periferia de Olinda. "Pense num cabra da peste. Esse cara foi o meu pai."

Seu Manoel se dividia entre a festança popular e a namoração. Conquistou o coração de nove mulheres. Com elas, teve 15 filhos: brancos, negros, índios, mestiços. "Até nisso o meu pai caprichou, na miscigenação", diz Pedro, sem disfarçar uma ponta maliciosa de orgulho.

A prole seguiu os passos culturais do pai no mamulengo, na ciranda, no Cavalo Marinho Boi Matuto (outro bloco de Manoel) e, é claro, no maracatu.

O nome de batismo, Piaba de Ouro, presta homenagem a um rio que, naquela época, de tão limpo, deixava ver nadar sob o sol em suas águas translúcidas os cardumes desses peixes de boca pequena e dentes fortes.

Neste Carnaval, o Piaba de Ouro –um entre mais de cem grupos de maracatu existentes atualmente no estado– sairá de lugares populares do Recife e de Olinda com 230 integrantes. Desse batalhão de brincantes, 40 são filhos, primos, sobrinhos, netos e bisnetos de seu Manoel, que morreu aos 62 anos, em 31 de agosto de 2008, fazendo troça e foliando.

A família participa de todo o processo festivo e criativo: da confecção de fantasias e adereços ao uso dos instrumentos de percussão e sopro do maracatu de orquestra, como também é conhecido o maracatu de baque solto, cada um assume sua função.

A segunda e a terceira geração de descendentes do mestre Salustiano vestem-se com as indumentárias dos personagens da linha de frente da comitiva, como o caboclo de lança, o caboclo de pena e a dama do paço.

Antigamente, como rememora o filho de Salustiano, os grupos de maracatu da zona da mata pernambucana seguiam de engenho em engenho à procura de doações de alimentos ou de dinheiro.

O consumo de uma bebida feita à base de cachaça, pólvora e plantas medicinais -o "azougue"- era um costume tradicional entre aqueles caboclos de lança.

"Sob influência do forte teor alcoólico, eles acabavam se envolvendo em confrontos físicos", conta Pedro. "Como o meu pai gostava de falar para os filhos e para os amigos, até os anos 1960, somente homens participavam do maracatu rural."

Com o passar do tempo, o próprio mestre Salustiano, contudo, engajou-se na decantação de um maracatu sem preconceitos, livre da questão de gênero.

Uma de suas filhas, Imaculada, 36, é dama do paço do Piaba de Ouro, personagem que aparece nos cortejos carregando uma boneca negra conhecida como "calunga" -a protetora espiritual da comitiva.

Ao menos 300 pessoas estão envolvidas na produção e no desfile do Maracatu Piaba de Ouro. "Começamos os preparativos seis meses antes do Carnaval", explica Imaculada. Pessoas de diferentes regiões do estado, muitas delas da zona rural, deslocam-se e se mobilizam nessa empreitada festiva.

"É uma tradição que passou do meu avô para o meu pai e dele para os filhos. Seguirá para os netos e os bisnetos. É o legado dos Salustianos", explica Imaculada ao ajeitar os cabelos da filha, Iara. Com cinco aninhos, serelepe que só ela, a menina também integra essa rica manifestação folclórica.

Dormindo em meio às fantasias, como fizeram seus avós, seus tios e sua mãe, vira e mexe, desperta com o tilintar de sinos do "surrão", puxado, agora, pelo irmão, Gabriel. Aos 13 anos, o garoto se projeta como o mais novo caboclo de lança da família, cuja árvore genealógica está enraizada na diversidade de valores do maracatu rural.

A festa, é bom que se saiba, continua!

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AGENDA

Domingo 3/3
14h - Sede na Cidade Tabajara, Olinda
19h - Marco Zero, Recife Antigo

Segunda 4/3
9h - Nossa Senhora de Guadalupe, Olinda
12h - Praça Ilumiara Zumbi, Cidade Tabajara

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QUEM LEVA

Latam Travel
5 noites a partir de R$ 1.916, em quarto duplo, com café da manhã. Inclui aéreo.
latam.com/latam-travel; tel. 3274-1313 ou 0300-7772000

Azul Viagens
A partir de R$ 2.252. São 4 noites em apto. duplo com café da manhã e aéreo.
azulviagens.com.br; tel. 4003-1181

Submarino Viagens
A partir de R$ 2.826, com 4 noites com café da manhã em apto. duplo e aéreo.
submarinoviagens.com.br; tel. 3003-2989

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