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09/06/2010 - 22h04

É dinheiro de verdade, mas não é real

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OCIMARA BALMANT
DE SÃO PAULO

No açougue do Silvestre, no Jardim Maria Sampaio (zona sul), há um cartaz inusitado pendurado bem no meio dos que anunciam os preços da alcatra e do coxão-mole. Em maiúsculas: "Aceita-se sampaio". No outro extremo da cidade, no Jardim Filhos da Terra (zona norte), Elaine Natalina da Silva, 36, compra um refrigerante e duas roscas recheadas com presunto e queijo para o café da tarde. Tudo fica em R$ 7,40. Mas ela não paga em real. Aliás, nem carrega a moeda oficial na carteira. "Aqui no bairro, eu só uso o apuanã."

Newton Santos/Folhapress
Na caixa registradora do açougue do Silvestre, na zona sul, sampaio e real têm a mesma cotação
Na caixa registradora do açougue do Silvestre, na zona sul, sampaio e real têm a mesma cotação

Não se trata de um tipo de vale, nem de dinheiro de brincadeira. Apuanã e sampaio são duas das cinco moedas sociais que circulam em São Paulo. Além delas, há também o vista linda, o freire e o moradias em ação. As cédulas são oficiais, numeradas e com marcas de segurança que impedem a falsificação. A cotação em relação ao real é de um para um e as moedas chegam à população por meio de bancos comunitários criados por moradores com a ajuda de organizações não governamentais.

Novidade em São Paulo --foram implantadas no fim do ano passado-, as moedas sociais circulam no Brasil desde o ano 2000, quando o Banco Palmas criou uma moeda na periferia de Fortaleza. Em pouco mais de uma década, a estratégia baseada no princípio da economia solidária se alastrou. Segundo a Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho, existem hoje 51 "cédulas alternativas" no país, com nomes como sabiá, terra, tupi e maracanã.

O funcionamento é simples: em vez de pagar em reais, o consumidor usa o dinheiro em circulação no seu bairro, o que movimenta a economia local. "Como a moeda não é aceita em outra comunidade, o morador consome onde mora. Assim, o comércio vende mais, contrata mais gente, e a região progride", resume Hilda Pires, gerente do Banco Apuanã.

É essa a explicação que ela repete a cada vez que tenta convencer os comerciantes a participarem do projeto. Em cinco meses, conseguiu 18 adeptos, de loja de ração a boteco.

"Se quiser tomar uma com limão, a gente aceita apuanã", brinca Edvalda Alves de Oliveira, dona do Bar da Valda, que depois troca os apuanas por real no banco comunitario. Para ampliar a lista de estabelecimentos conveniados, no entanto, é preciso pressão da população.

"Quando todos quiserem comprar com moeda social, o comerciante que não aceitar vai perder a venda", diz Hilda.

Para a estreia do apuanã em novembro do ano passado, a associação de moradores promoveu uma feira solidária em que não se aceitava real. Para adquirir qualquer produto artesanal, era preciso "fazer o câmbio". Conhecido o visual do novo dinheiro, a adesão tem sido incentivada por meio dos empréstimos sociais. As transações, que chegam a 200 moedas, são feitas a juro zero.

Foi assim que Elaine começou a usar o apuanã. Há um mês, obteve 200 deles no banco comunitário, a serem pagos em três vezes. Conseguiu o empréstimo depois que o analista de crédito do banco checou com vizinhos se ela é boa pagadora, o chamado "aval solidário". "É simples. Se a gente sabe que o caminhão da loja de móveis já veio buscar o sofá por falta de pagamento, não empresta", brinca Hilda. Por ali, já foram realizados dez empréstimos e não há registro de inadimplência.

O banco União Sampaio, na zona sul, contabiliza 38 empréstimos. Esther de Almeida Vieira, 50, foi uma das primeiras clientes. Em janeiro, ela queria aproveitar o verão para vender sorvetes na varanda da casa, que fica no caminho para a escola do bairro, mas não tinha dinheiro para investir. Fez um empréstimo de 300 sampaios no banco comunitário e usou para as compras corriqueiras: açougue, padaria, farmácia e supermercado. Com o real que economizou, comprou sorvetes em um atacado e revendeu. "Consegui transformar R$ 300 em R$ 700 e troquei boa parte do que ganhei por sampaio para fazer com que o dinheiro renda ainda mais", contabiliza a autônoma.

Esse lucro adicional fica por conta de um "plus" que ajuda a atrair a comunidade. Boa parte dos 25 comerciantes que aceitam o sampaio oferecem desconto para quem paga em moeda social. "A lógica é simples: se vendo mais barato, vendo mais. Bom para mim, bom para o cliente", diz Marcos Morais, dono da loja de materiais de construção, que cobra 5% a menos e faz o sampaio mais forte que o real.

Curiosidades

- O Banco Palmas deu origem ao Instituto Palmas, que é responsável pela abertura da maioria dos bancos comunitários existentes no país, entre eles, os de São Paulo

- As moedas sociais também existem em outros países. Na Argentina, chegaram a atingir quase 1 milhão de pessoas, após a crise econômica de 2001

- Ainda não regulamentadas, as moedas sociais são reconhecidas pelo Banco Central

- O Ceará é o Estado que mais concentra as moedas sociais. Em municípios pequenos, elas valem na cidade toda. É o caso do acaraú, em Tamboril, e do paz, em Paramoti

Como criar um banco

Sem detector de metais ou seguranças armados, os bancos comunitários são bem diferentes dos convencionais. Os de São Paulo funcionam em pequenos cômodos e contam com três funcionários: o gerente, o caixa e o analista de crédito. Todos moradores da área e treinados pelo Instituto Palmas que, junto com a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da USP e a Secretaria Nacional de Economia Solidária, implantou as unidades.

Para criar um banco comunitário, é imprescindível que a associação de moradores seja forte. "Se for fraca, não consegue convencer as pessoas de que aquele dinheiro novo vale tanto quanto o real", diz Juliana Braz, do Núcleo de Economia Solidária da USP. É preciso, também, ter crédito para cobrir os gastos com a emissão da moeda, pagar os funcionários e realizar os primeiros empréstimos. Cada moeda social emitida precisa de um correspondente em real.

O banco comunitário realiza empréstimo de consumo, sem cobrança de juros, e produtivo, com taxas abaixo do mercado, para quem quer empreender.

Bancos comunitários em São Paulo

1. Apuanã Jardim Filhos da Terra (zona norte). O nome da moeda é o mesmo do condomínio onde o banco está situado

2. Paulo Freire Inácio Monteiro (zona leste). Nome da associação de moradores do bairro

3. Moradia em Ação Jardim São Luiz (zona sul). Ligado à história da luta pela moradia dos habitantes da região

4. Sampaio Jardim Maria Sampaio (zona sul). É o nome do bairro

5. Vista Linda Jardim Donária (zona oeste). Nome do condomínio onde o banco está situado

 

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