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02/08/2010 - 11h10

O orgulho que leva à loucura

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MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA REVISTA sãopaulo

Baseado no romance homônimo do norueguês Knut Hamsun, "Fome" (1966), do diretor dinamarquês Henning Carlsen, é menos um filme sobre a privação econômica (como sugere o título) do que sobre o orgulho levado às raias da loucura.

Pontus é um escritor que leva existência errante pelas ruas de Christiania (atual Oslo). Sem eira nem beira, mas com lápis e caderno em punho, sacrifica tudo ao desejo de finalmente encontrar condições de escrever o livro que alardeia para os conhecidos que topa ao acaso.

Cada encontro, porém, aprofunda o abismo que separa sua ambição de sua indigência: a tentação de ceder às migalhas que lhe são oferecidas é vencida pela vergonha, por uma altivez monomaníaca que faz com que ele finja o tempo todo.

Após ser despejado, pede a um lojista que embrulhe seu cobertor, dizendo que ali estão protegidos dois valiosos vasos que recebeu como herança: é um dos indícios de sua demência progressiva, conduzida pela belíssima fotografia em preto e branco (que realça a desolada Oslo) e pela atuação magistral de Per Oscarsson (premiado em Cannes).

Pontus penhora uma roupa, mas dá o dinheiro a um mendigo: é sua maneira de permanecer no mundo de quem não precisa de esmolas. Sua única esperança de comer sem perder a dignidade é receber por um artigo de jornal, mas a aprovação do texto é sempre adiada pelo editor, alimentando suas alucinações.

Essa obsessão de sobreviver pela escrita confere uma estranha beleza ao filme: o esgar de fome de Pontus é a máscara do artista que usa o próprio fracasso para nutrir seus fantasmas. Ao preço da lucidez.

Conexões
FILME
FOME **
Direção: Henning Carlsen
Distribuição: Platina Filmes (R$ 29,90)

LIVRO
FOME **
O famélico protagonista recapitula o período de miséria vivido pelo escritor norueguês, que ganharia o Nobel de literatura em 1920.
AUTOR: Knut Hamsun
TRADUÇÃO: Carlos Drummond de Andrade
EDITORA: Geração Editorial (2009, 176 págs., R$ 29,90)

CONVERSA NA SICÍLIA **
Esse romance sobre um proletário que retorna ao "mundo ultrajado" em que nasceu é um clássico precursor do neorrealismo italiano.
AUTOR: Elio Vittorini
TRADUÇÃO: Valêncio Xavier e Maria Helena Arrigucci
EDITORA: Cosac Naify (2002, 288 págs., R$ 59)

OS RATOS **
Na obra-prima do escritor gaúcho, um pobre diabo se lança na busca paranoica por dinheiro numa Porto Alegre expressionista.
AUTOR: Dyonelio Machado
EDITORA: Planeta (2004, 208 págs., R$ 34,90)

FILME
INTIMIDADE *
Patrice Chéreau (Lume, R$ 39,90)
A rotina de encontros entre dois amantes que pouco sabem um do outro é quebrada: o homem resolve seguir a mulher, desvelando sua intimidade doméstica. A expressividade física que Chéreau imprime às cenas de sexo corteja a pornografia. Muito mais obscena, porém, é a vida cotidiana que, com suas ridículas tentativas de escapar da mediocridade, contamina a utopia de se colocar à margem da sociedade, na incandescência do prazer.

LIVROS
DE MENINO A HOMEM *
Gilberto Freyre (Global, 224 págs., R$ 59)
Gilberto Freyre (homenageado na Flip deste ano) descrevia seu método de pesquisa como "sociologia proustiana". Como a ficção de Marcel Proust, seus livros sobre a sociedade brasileira são atravessados pela memória. É assim nesse "De Menino a Homem", que havia ficado inédito e traz um relato centrado na era Vargas, no casamento, em questões familiares e religiosas, chegando até os anos 1980.

ISRAEL EM ABRIL **
Erico Verissimo (Companhia das Letras, 280 págs., R$ 53)
O livro de viagens atípico de Erico Verissimo mistura experiências em cidades como Tel Aviv e Nazaré, ou num "kibbutz", em 1966, com diálogos imaginários que podem ter como interlocutor os historiadores Arnold Toynbee e Oswald Spengler ou um camelo. Questões como o destino do judaísmo e o antissemitismo são o contraponto grave de um belíssimo afresco da paisagem de Israel.

DISCO
MASTERMASSE BASEL 1956 *
Count Basie Orchestra (Biscoito Fino, R$ 44,90, CD duplo)
Esse concerto na Basileia (Suíça), em 1956, marca a segunda geração da "big band" fundada pelo pianista Count Basie 20 anos antes. O grupo não alcançou a popularidade dos conjuntos de Benny Goodman ou Glenn Miller, talvez porque seu swing seja mais fiel às raízes do jazz e do blues. O segundo CD do álbum duplo inclui interpretações do cantor Joe Williams e um final apoteótico.

 

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