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20/08/2010 - 19h13

A blindagem mística dos cangaceiros

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MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA REVISTA sãopaulo

"Criminosos na epiderme e irredentos no mais fundo da alma." Assim o historiador Frederico Pernambucano de Mello define bandidos míticos como Lampião e Corisco em "Estrelas de Couro: A Estética do Cangaço".

O livro reúne uma impressionante iconografia de chapéus, roupas, alpercatas, punhais, pistolas, rifles e bornais (sacolas para carregar provisões) usados pelo bando do rei do cangaço. Os utensílios pertencem ao acervo particular de Pernambucano de Mello e a coleções públicas e privadas.

Além do prefácio em que Ariano Suassuna expõe "os sentimentos contraditórios de admiração e repulsa" desencadeados pelas lendas de Lampião e Maria Bonita, os ensaios de "Estrelas de Couro" dissecam as raízes do irredentismo nordestino, movimentos de resistência sertaneja às leis trazidas pelo governo litorâneo.

É nesse conflito entre o arcaico e o moderno, entre a virilidade dos costumes e a violência do Estado, que se inserem desde revoltas populares do século 19, como a Balaiada ou a Sabinada (no Maranhão e na Bahia, respectivamente) e a Guerra de Canudos, até sua faceta menos politizada, e por isso associada ao crime comum: o cangaço.

À condição ambígua de facínora e herói popular conquistada por Lampião, soma-se outra ambiguidade: o fato de que seus fora da lei, em vez de se camuflarem para escapar das autoridades, tenham criado um fardamento vistoso e roupas de festa, com bordados repletos de símbolos, que Pernambucano de Mello descreve como "blindagem mística" nesse livro belíssimo, que mostra como a estética inscreveu bandoleiros cruéis no imaginário dos mártires.

LIVRO

ESTRELAS DE COURO: A ESTÉTICA DO CANGAÇO
autor: Frederico Pernambucano de Mello
editora: Escrituras (258 págs., R$ 150)

  • avaliação: ótimo

conexões

LIVRO

BANDIDOS
O historiador britânico inclui Lampião nesse estudo de 1969 sobre "bandidos sociais" (Robin Hood, Pancho Villa) que se insurgem contra o poder que viola tradições comunitárias.
autor: Eric Hobsbawm
tradução: Donaldson M. Garschagen
editora: Paz e Terra, 2010, 280 págs., R$ 45)

  • avaliação: ótimo

FILME

DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL
Othon Bastos interpreta Corisco (do bando de Lampião) nesse clássico do cinema novo em que Glauber Rocha funde messianismo e cangaço.
direção: Glauber Rocha
distribuição: Versátil (1964, R$ 49,90)

  • avaliação: bom

FILME

SETEMBRO
Woody Allen (Fox; R$ 29,90)
"Setembro" (1987) pertence à fase em que Allen absorveu a densidade psicológica de Ingmar Bergman. Teatro filmado, em que um grupo reunido numa casa de campo vive disputas afetivas, é a obra mais vilipendiada do diretor (que, insatisfeito, chegou a refilmá-la). Sua verborragia não tem o humor habitual; passados 20 anos, vale como testemunho de um vazio subjetivo que não sobrevive sem ironia.

  • avaliação: regular

DISCO

GINASTERA: COMPLET MUSIC FOR CELLO AND PIANO
Mark Kosower e Jee-Won Oh (Naxos, R$ 19,90)
Contrapartida argentina de Villa-Lobos, Alberto Ginastera (1916-1983) renovou a música erudita de seu país com elementos populares. Se a aproximação é válida para "Cinco Canciones Populares Argentinas" ou para "Puneña nº 2", as sonatas que completam essa integral para violoncelo e piano atingem pulsação digna de Bartók, o que indica a excelência.

  • avaliação: ótimo

LIVROS

AFORISMOS
Karl Kraus; tradução de Renato Zwick (Arquipélago, 208 págs., R$ 39)
Kraus usou os aforismos (breves iluminações que são o avesso da frase feita) para satirizar chavões, modas e moralismos da Viena do entre-guerras. Extraídos de "Dito e Contradito", "Pro Domo et Mundo" e "De Noite", eles são o refúgio de um individualismo cosmopolita, em litígio com o populismo que preparava a cama para a vulgaridade nazista.

  • avaliação: bom

KAFKA DE CRUMB
Robert Crumb e David Zane Mairowitz; tradução de José Gradel (Desiderata, 184 págs., R$ 39,90)
Esta "graphic novel" associa desenhos de Crumb à prosa biográfica de Mairowitz, numa narrativa sobre Kafka em que os pesadelos burocráticos, as obsessões sexuais e os conflitos familiares do autor ganham espessura onírica. No "Posfácio", o gueto judaico de Praga dá lugar à indústria turística que transformou Kafka em artigo "kitsch" e personagem de HQ!

  • avaliação: ótimo
 

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