Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
  Acompanhe a sãopaulo no Twitter
04/09/2010 - 08h51

Canetas

Publicidade

FABRÍCIO CORSALETTI
COLUNISTA DA REVISTA sãopaulo

No sábado de Carnaval de 1994, em Santo Anastácio, ganhei, junto com minha prima Rafaela, a medalha de folião da noite por nosso esfuziante desempenho no salão de baile do Nosso Clube. No dia seguinte a Joaninha, fotógrafa da cidade, procurou minha mãe e a convenceu a ficar com a prova do crime: uma foto do momento da premiação --eu e a Rafaela no palco, sorrindo pra multidão aos nossos pés. Ressacado e melancólico, minha vergonha adolescente só podia ser comparada à que senti, aos sete anos, num outro palco, o da loja maçônica, em que subi pra tocar "Gatinha Manhosa" no violão e esqueci os acordes e minha voz não saiu. Depois dessas iniciações radicais no ramo da humilhação pública, me expor diante de desconhecidos por meio de textos mais ou menos autobiográficos nem de longe é tão constrangedor.

Explicado meu ponto de vista, quero contar um problema pessoal.

Escrevo no laptop, mas faço anotações a caneta. Não chego a ter o clássico caderninho de escritor: rabisco minhas ideias em papéis avulsos e mais tarde tento aproveitá-las. Nada pior, nessas horas, do que uma caneta ruim, que falha ou emperra e fatalmente irrita e acaba com a "inspiração" da gente. Já desisti de poe-mas, contos e até bilhetes de amor matinais por causa de uma maldita esferográfica seca.

Rui, garçom de Pinheiros, resolveu minha vida quando, há três anos, me emprestou sua Bic azul pra preencher um cheque. Incrível como a tinta saía fácil da ponta treinada em registrar os pedidos dos clientes do bar. Minha letra parecia mais firme, o cheque ficou tão bonito que tive pena de entregá-lo. De repente, antes que a timidez vencesse a ousadia, perguntei pro Rui quanto ele queria na caneta. Ele riu, disse que não estava à venda. Eu insisti. Ele viu que era sério. Lhe dei o dobro do valor de uma Bic nova, e ele "esqueceu" o produto na mesa com a discrição de quem faz um negócio clandestino. Depois disso comprei dúzias de Bics do Rui. No começo ele achava estranho, mas logo se acostumou.

Seu patrão, no entanto, quando soube o que rolava, veio conversar comigo. Me acusou de estar atrapalhando o rendimento de seu funcionário, que aliás estava faturando em cima das canetas do bar. Aí me pediu que procurasse o Rui (que dali em diante lhe repassaria a grana) no fim do expediente, se eu fazia mesmo questão dessa "mania esquisita". Por mim tudo bem, pois aquele era um boteco que fechava cedo (e eu não estava preocupado com quem lucraria com as transações). Assim, sempre que necessário, aparecia por lá às onze e meia, meia-noite e descolava uma excelente Bic amaciada -pelo preço de mercado, embora com dois terços da carga original.

Acontece que agora, pra meu desespero, o bar passou a fechar às quatro da manhã, horário em que estou dormindo pra pular da cama às seis e trabalhar. O que devo fazer? Abordar outro garçom? Marcar uma consulta com meu ortopedista? (Caneta de médico tem fama de ser boa.) Implorar pro Rui esconder as Bics no vaso da entrada? Não sei. Preciso pensar. Mas uma coisa é certa: às papelarias não volto jamais.

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página