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04/02/2011 - 17h10

Diogo Mainardi escreve livro sobre paralisia cerebral do filho

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VAGUINALDO MARINHEIRO
DE VENEZA

Atualizado às 17h40.

"Sou uma excelente babá, o que os americanos chamam de 'soccer mom'. Acompanho meus filhos em todos os lugares. Levo para treinar futebol e fico lá, esperando, no frio."

Essa com certeza não é a primeira imagem que vem à mente quando alguém pensa em Diogo Mainardi, o colunista mais ácido dos anos Lula, aquele que chamava o ex-presidente, entre outras coisas, de gordinho oportunista. Mas é, segundo o próprio, a que melhor define sua vida hoje.

Mainardi, 48, mudou? Em vários aspectos, sim. 2010 foi um ano de abandonos. Abandonou o gosto de escrever sobre política nacional e de interferir no debate do país em uma coluna semanal que teve na "Veja" por quase 12 anos. Abandonou o Rio de Janeiro, onde morava desde 2003.

"Passei a dar ainda mais valor à minha introspecção familiar. Tudo tem dimensão microscópica na minha vida hoje, e meus interesses são bastante pequenos", afirma.

Voltou a morar em Veneza, num prédio construído no século 15 e que fica no Grande Canal, a principal "avenida" da cidade, se tivesse avenidas em vez de canais. De suas três janelas, observa o esplendor da arquitetura renascentista.

É com essa paisagem que trabalha no livro que escreve sobre o filho mais velho, Tito, de dez anos. Espera lançá-lo neste ano.

Ruy Teixeira
Tito, Nico e Diogo Mainardi na sala usada como local de trabalho e campo de futebol, em Veneza, na Itália
Tito, Nico e Diogo Mainardi na sala usada como local de trabalho e campo de futebol, em Veneza, na Itália

"É sobre a minha experiência de ter um filho com paralisia cerebral. Não quero parecer pretensioso, mas é um pequeno ensaio sobre a diversidade. Terá comentários sobre essa experiência fascinante e absolutamente revolucionária na minha vida. Ela mudou tudo. Colocou tudo do avesso. Todas as minhas veleidades foram para o brejo."

Tito nasceu em 2000, nessa mesma cidade, onde Mainardi morava com a mulher, Anna, uma veneziana especializada em história da arte.

"Era um sábado, pegamos uma obstetra que estava com vontade de ir embora para casa. Tentou acelerar tudo e fez uma enorme bobagem."

A bobagem foi a compressão do cordão umbilical, o que interrompeu a oxigenação. Como resultado, o menino tem problemas de locomoção e de fala. Mas é um garoto sorridente, que adora fazer amigos e brincar com computadores e celulares.

Numa coluna de 2001, chamada "Meu Pequeno Búlgaro", Mainardi contou aos leitores sobre o filho. Na época, se perguntava se o menino depois não se incomodaria de ter sido exposto publicamente.

Hoje, diz não ter mais esse medo. "Meu filho sabe que estou escrevendo sobre ele. Não o incomoda de jeito nenhum. Quando a exposição não é exibicionista, não há por que ter medo. Além disso, a paralisia cerebral é tão dele quanto minha."

Mainardi afirma não ter interesses pedagógicos com a obra. "Na época da coluna, eu tinha alguns propósitos, como quebrar o estigma contra as pessoas com paralisia. Eu não vivi essa situação com dor. Quando você vê de fora, deve imaginar que é uma tragédia, um drama para a família. Eu achava pedagógico mostrar que não era assim. Agora, é apenas especulação intelectual."

O autor diz estar se lixando para aqueles que vão enxergar no livro um processo catártico. "Estou fazendo o livro de um jeito amplo. Falo de muitas coisas, de infanticídio durante o nazismo à arquitetura veneziana."

O filho é responsável por muitas das suas mudanças. Em 2002, o menino necessitava de fisioterapia intensiva e diária.

"Aqui não tinha. O sistema de saúde público da Itália é uma porcaria e não há opção de encontrar um bom profissional privado, que atenda em casa. Descobrimos uma ótima fisioterapeuta no Rio. Ao mesmo tempo, recebi uma proposta para trabalhar no Manhattan Connection, e minha participação podia ser gravada no Rio. Juntaram as duas coisas: meu filho faria o tratamento e eu teria mais um emprego para juntar uma herança que garantisse o futuro dele."

A volta para Veneza também tem a ver com o filho. "Foram outras combinações de fatores: a fisioterapia já não faz mais diferença para ele. Além disso, o Tito, enfim, ganhou o processo contra o hospital onde ocorreu o parto, e a indenização já garante o futuro dele. Não preciso mais de um triplo emprego. E hoje posso gravar o Manhattan daqui, da minha sala."

O programa é exibido às 23h de domingo na Globo News. Fora isso, escreverá um texto por mês para a "Veja" sobre cultura.

Em 2005, Mainardi teve um outro filho, Nico, um carioca que adora futebol mas já está esquecendo o português. "Outro dia, ele disse que o prato típico do Brasil era a 'feijãozeira'."

Não se enganem aqueles que pensam que essa versão família seja uma espécie de "Dioguinho paz e amor". Provocado, ele rearma a metralhadora de adjetivos depreciativos que marcam seu estilo. Seus alvos preferenciais continuam a ser os petistas e aqueles que se identificam com a esquerda no Brasil.

Dilma é apenas uma "funcionária pública de terceiro escalão que fará um governo parecido com o de Lula, mas com menos graça, menos cor". Lula, por sua vez, "provocou uma regressão do país ao estado mais bárbaro da política". O cinema é "só bobagem, produzida para crianças".

O ex-estudante de economia (largou o curso no primeiro ano) também não vê com bons olhos a fase atual da economia brasileira: "Vivemos um novo ciclo da borracha. O Brasil vende matéria-prima, que está com preço alto. Então, vamos de cartola à ópera. Nós já passamos por isso. Sabemos como funciona. Ocorre um avanço tecnológico ou aparece um novo fornecedor, e vamos nós para um novo período de decadência."

Os anos de colunismo e a mão muitas vezes pesada ao escrever fizeram Mainardi colecionar mais de 300 processos na Justiça brasileira. A maioria por difamação.

Há casos curiosos, como o de 120 acrianos que se sentiram ofendidos por ele ter dito que devolveria o Acre à Bolívia em troca de um cavalo.

"Fui condenado a pagar algumas indenizações. Mas só me condenaram os juízes que deram a sentença sem ouvir minhas explicações. Quem me escutou, me inocentou", afirma.

Muitos dos seus críticos o acusam do mesmo mal: ser irresponsável e publicar acusações sem ouvir a versão dos envolvidos.

Ele, claro, discorda, com o uso de argumentos que não seriam abonados por manuais de jornalismo. "Eu não sou repórter, não tenho que ouvir lado nenhum. Dou o meu lado."

Entre aqueles que o processaram estão o ex-ministro Franklin Martins e o jornalista Paulo Henrique Amorim.

Martins era comentarista político da Rede Globo quando Mainardi o acusou de "promiscuidade com o poder", uma vez que sua mulher era assessora da liderança do governo no Senado, e seu irmão, diretor da Agência Nacional do Petróleo.

A Justiça condenou o colunista a pagar R$ 35 mil de indenização por dano moral. Houve recurso, e a condenação foi anulada.

Amorim foi acusado de receber do PT para defender o partido e o governo na internet. Desta vez, a Justiça determinou indenização de R$ 285 mil. Houve novo recurso, e agora caberá ao Supremo Tribunal Federal definir se mantém a condenação.

Mainardi diz que nunca foi condenado por ter mentido, mas por ter feito piada. "Minha intenção sempre foi a ironia. Todos os meus processos são pela frase a mais, a frase de efeito. Eu sempre tentei caricaturar o outro. É quase a charge, em que se exagera no tom, mas tratando de fatos reais."

Então o colunista exagerado e agressivo é apenas um personagem forjado para agradar a alguns? "Sei que fui muito violento na coluna. Não há dúvidas de que não fui um doce. Mas não é um personagem. Esse já era meu estilo como romancista."

Muitos de seus inimigos e detratores estão felizes que a coluna se foi. Ele, mais uma vez, diz estar se lixando.

Vai em busca da aprovação de um outro público, que está mais perto e tem outros critérios de julgamento. "Filho, de zero a dez, que nota você dá para mim como pai?", pergunta a Tito. "Dez", responde o garoto.

Como uma "soccer mom", ele se emociona. Como babá, ganhou o dia.

"Esta é minha cidade, me sinto em casa"

Veneza já é pequena, mas a de Diogo Mainardi é menor ainda. Sua vida se resume a poucas ruelas perto de sua casa, no bairro de Dorsoduro.

Após sete anos no Rio de Janeiro, ele voltou para o mesmo apartamento em que vivia antes, no palácio Bárbaro, uma construção do século 15.

São 190 metros quadrados, com dois quartos e uma sala grande, em L, onde trabalha e brinca com os filhos. Há poucos móveis. Apesar de se dizer ateu, uma das poucas peças de decoração de sua sala é um oratório de madeira com a imagem de São Francisco. "É brasileiro, presente da minha mãe."

Ao lado de sua residência fica o museu Peggy Guggenheim, onde o filho mais novo vai às vezes brincar. A pouco mais de 300 metros fica seu museu preferido, Accademia, onde se encontra o que considera um quinteto fantástico: Bellini, Ticiano, Veronese, Giorgione e Tintoretto.

Um pouco mais ao longe está o que qualifica como o conjunto arquitetônico mais bonito do mundo: as construções da piazza de San Marco. A cúpula da igreja ele consegue ver de sua janela.

Quando sai de seu micromundo, vai até o mercado de Rialto, comprar peixes e verduras, à doceria Rosa Salva, ou ao restaurante Da Fiore, gastar um pouco mais. No verão, a família pega sua pequena lancha para ir à praia, no Lido.

 

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