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Yes, nós temos pupunha!
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BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA REVISTA sãopaulo
A mera existência de uma publicação britânica que verse sobre os prazeres da mesa é assunto para se desconfiar. No mínimo, estamos falando de uma contradição em termos, uma provocação. Alguém só pode estar escrachando com a cara de outrem.
Num país em que a expressão "torta de rim" é capaz de atiçar glândulas salivares e onde, até pouco tempo atrás, as normas sanitárias previam que peixe com fritas pingando de gordura e embalado em jornal velho fosse comercializado em plena luz do dia, é de admirar que alguém leve a sério qualquer coisa que a culinária local ainda tenha a relatar.
Ocorre que o mundo gira, a Lusitana roda e eu aposto um "steak and kidney pie" (o tal prato que leva a convidativa torta de rim) que o paulistano que aprecia a boa mesa aplaudiu de pé a notícia de que o restaurante D.O.M., dos Jardins, foi eleito pela revista inglesa "Restaurant" um dos dez melhores do mundo.
Dizem ser uma honraria e tanto, e eu não a desmereço. Inclusive porque conheço o chef Alex Atala e sei quanta dedicação e suor ele investe cotidianamente no seu trabalho. De fato, seu restaurante é fantástico, e a cidade se orgulha pelo reconhecimento.
Ocorre que o mercado do luxo empanou e fritou a exclusividade. A arte da mesa não é mais assunto para poucos e bons que passam endereços de restaurantes de cinco estrelas por baixo da toalha para outros finos apreciadores.
Hoje, junta gente na rua para pedir autógrafo aos chefs ingleses Jamie Oliver e Nigella Lawson em qualquer parte do mundo em que eles derem as caras. Um sujeito que não lava as mãos antes de tocar na comida e uma senhora que não se acanha em oferecer ruibarbo com creme de ovos de sobremesa aos filhos. Tudo bem. Esse é o mundo em que vivemos: o melhor rapper é branco, o melhor golfista é negro e há chefs superstars de nacionalidade inglesa...
Tenho só boas coisas a dizer do D.O.M. e nada contra os restaurantes do "Guia Michelin", mas, por mais que me esforce, nunca vou entender o mundo da alta gastronomia. Certa vez fui a um jantar preparado pelo chef Alain Ducasse. Não via a hora de voltar para a frente da minha geladeira cheia de pilhas e picolés de limão. Achei tudo uma bobagem, uma encenação sem fim que não combina com o buraco negro da minha carência afetiva nem se encaixa com o trauma de guerra vivido por gerações passadas, que me deixou com uma necessidade premente por fartura à mesa.
Em São Paulo, os garçons dos bons restaurantes tratam o cliente feito realeza, e eu gosto muito disso. Não há Londres, Paris ou Nova York em que a gente seja tratada com tamanha gentileza. O pessoal tem orgulho do que faz e eu sei apreciar o esforço. Mas não me peça para entender emulsão de gengibre com pipoca de castanha-do-pará ou espuma de pupunha. Isso é para seres mais evoluídos do que essa pamonha crua.
Sabe qual o meu maior prazer gastronômico? Sentar à mesa do restaurante de uma conhecida cadeia self-service de São Paulo na hora do almoço e ficar tentando entender a logística do show. Não deve ser fácil chegar àquela simplicidade com tamanha diversidade e frescor, àquele serviço azeitado, naquela escala e, ainda por cima, ganhar dinheiro fazendo isso. Acho que tem mais a mão do Henrique Meirelles naquela cumbuca do que a do Paul Bocuse. Algum inglês teria de me explicar melhor.
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