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08/05/2011 - 09h20

Como não me tornei trompetista

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FABRÍCIO CORSALETTI
DE SÃO PAULO

Um amigo ia fazer 50 anos, e eu saí por Pinheiros atrás de um presente pra ele. Livros não, porque meu amigo não lê. Algum CD diferente seria uma boa, mas ando mal informado a respeito de música e achei melhor não arriscar. Tive a ideia de comprar um vinho, mas fiquei com preguiça de procurar uma loja de bebidas (e mais preguiça ainda de ouvir o sommelier falar em "bouquet acentuado", "harmoniza com" etc.).

Aí pensei em camisas, raquetes de pingue-pongue, cheguei a pensar numa boneca inflável, num vale-um-jantar-num-restaurante-legal e numa porrada de outras coisas que não me convenceram. Até que olhei pro lado, vi uma dessas lojas de instrumentos musicais da rua Teodoro Sampaio e entrei.

Eu nunca tinha entrado numa loja de instrumentos musicais, embora more perto da Teodoro há anos. Não sei direito por quê. Talvez porque não sou músico ou talvez por ser um músico frustrado --na minha família todos os homens tocam alguma coisa, menos eu. Aos sete anos fiz aulas de violão, mas logo percebi que não tinha talento e desisti. Dessa experiência sobrou uma inveja incurável de músicos em geral. (Na sala da casa da minha professora de violão havia um leão empalhado, e às vezes boto nele a culpa por não ter virado guitarrista. Como se concentrar nos acordes de "Gatinha Manhosa" sendo vigiado por um superfelino?).

Mas estou me desviando do assunto. O que importa é que entrei na Monk World Music. "Eu sinto a alegria crescer na minha alma", escreveu Jack Kerouac, o anjo louco do bebop intergaláctico, e foi assim que me senti diante daqueles sax tenor, sax alto, sax soprano, sax sopranino (o vendedor ia me mostrando as diferenças entre eles), banjo brasileiro (que é igual ao americano, mas com braço de cavaquinho), cavaco acústico, cavaco elétrico, guitarras de todas as marcas, de todas as cores, baixos, tamborins, trompetes e um trompete "pocket" (aquele menorzinho, com o tubo enrolado).

Devo ter passado uma hora conversando com o vendedor e mexendo nos instrumentos. Quando finalmente pisei de novo na Teodoro, levava comigo o trompete "pocket" -mais brilhante que os braceletes de uma princesa persa, mais dourado que a carne de Brigitte Bardot em "O Desprezo"--, certo de que no dia seguinte me matricularia numa escola de música e daria um basta na minha frustração.

No dia seguinte, acordei mal-humorado --e arrependido de ter jogado dinheiro fora. Caiu a ficha de que eu não queria estudar trompete. Concluí que eu era uma besta, o vendedor um gênio e o capitalismo mau.

Porém o Léo, o aniversariante, é generoso e, apesar de tão ignorante quanto eu em matéria de música, adorou (ou fingiu adorar) ganhar um trompete "pocket" pelo seu meio século de existência. Disse que era um sinal de que a vida começa aos 50 e que sempre é tempo de aprender coisas novas. Depois saiu assoprando o bicho pela festa.

 

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