Substituição de remédio durante tratamento provoca controvérsia

Médicos preferem evitar trocas, apesar de não haver comprovação sobre efeitos nos pacientes

Ricardo Chapola Luiz Antônio del Tedesco
São Paulo

A administradora de empresas Cristina Portes, 43, afirma que desde o começo de dezembro para cá perdeu o apetite, emagreceu cinco quilos e está sentindo dores e inchaço nas articulações.


Ela relaciona o surgimento desses sintomas à troca de medicamento fornecido pelo governo mineiro para tratar a doença de Chron —uma inflamação intestinal que afeta todo o sistema digestivo.


“Quando tomava o remédio biológico não tinha tanta dor nem tanto inchaço como agora, após passar para o biossimilar. Não consigo mais fazer o serviço de casa direito. Mal consigo passar roupa”, diz a administradora. 

A administradora Cristina Portes, que passou do remédio biológico para o biossimilar
A administradora Cristina Portes, que passou do remédio biológico para o biossimilar - Luis Evo/Folhapress


Durante o ano passado, ela tratou a doença com o infliximabe Remicade, medicamento biológico comercializado pela Janssen, que era distribuído pela rede pública de Minas Gerais. 


No final de 2017, a Secretaria de Saúde do Estado não renovou o contrato com o laboratório e passou a comprar o Remsima, uma versão similar mais barata que o medicamento original.


Na teoria, segundo especialistas ouvidos pela Folha, o remédio biossimilar usado no tratamento da doença de Cristina Portes deveria ter os mesmos efeitos que os obtidos com a droga de referência. 
“Em termos científicos, por mais que o biossimilar tenha alguma diferença na produção, os resultados clínicos dele não mudam em relação aos do biológico”, afirma Taís Galvão, que é professora da Faculdade de Farmacêutica da Unicamp. 


O problema pode estar não no consumo do biossimilar em si, mas na troca de um medicamento pelo outro durante o tratamento. “A probabilidade de substituição do remédio trazer problema ao paciente não é alta, mas existe”, afirma Ieda Laurindo, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia.

“BALAIO DE GATO”

O debate sobre a questão da intercambialidade dos remédios biológicos tem sido grande no Brasil e no mundo.


No caso dos genéricos, por exemplo, como as moléculas são idênticas e os medicamentos têm o mesmo efeito no organismo que o fármaco original, os pacientes passam de um ao outro sem que haja mudança na eficácia ou na segurança do tratamento. É possível usar os remédios de forma intercambiável.


Isso não se dá com um medicamento biossimilar, porque ele não é uma cópia idêntica do produto original.
“Se esses remédios forem comprados de forma alternada, o paciente recebe primeiro um biológico, outro dia um biossimilar A e depois um biossimilar B. É um balaio de gato. O sistema imunológico dele vai enlouquecer”, diz o médico Ricardo Garcia, do Centro Latino Americano de Pesquisa em Biológicos.


Os Estados Unidos já têm uma legislação que define o conceito de medicamento biossimilar intercambiável. Vários produtos estão em estudo, mas nenhum ainda recebeu essa chancela. 


Para a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a troca entre medicamentos biológicos deve ficar a cargo do médico ou do Ministério da Saúde, no caso de hospitais públicos.


Em agosto passado, a intercambialidade dos medicamentos chegou a ser discutida numa audiência pública no Senado. Em novembro, o debate ocorreu na Câmara. 


Valdair Ferreira Pinto, médico pós-graduado em bioengenharia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), participou da reunião no Senado. Para ele, a intercambialidade dos biológicos é um assunto técnico a ser regulamentado pela Anvisa. 


“A Anvisa evita se posicionar e deixa para o Ministério da Saúde o exercício dessa prerrogativa. Mas o ministério a exerce baseado em aspectos econômicos, não em aspectos médico-científicos. Isso não deixa a classe médica confortável”, diz ele.


A médica Ieda Laurindo afirma não ser contra o tratamento com o remédio mais barato, mas diz esperar pela manutenção do biossimilar. “O que preocupa é a possibilidade de, sem a concordância médica, haver trocas sucessivas. Não há comprovação científica de que isso possa prejudicar ou não o paciente”, diz a reumatologista.


O médico sanitarista Jarbas Barbosa da Silva Júnior, diretor-presidente da Anvisa, ressalta que nenhum país do mundo aprovou a intercambialidade até hoje. 


“Se dissermos que tal biossimilar é intercambiável, estamos dizendo que o médico prescreve x, mas o farmacêutico pode vender y. Mas estamos falando de doenças complexas, para as quais os pacientes têm comportamentos muito diferentes diante do mesmo medicamento.”


Assim como Laurindo, ele acrescenta que os biológicos são uma classe de medicamentos relativamente nova e que não existe nenhuma evidência que embase uma decisão regulatória que permita dizer ao paciente que ele pode fazer essa troca.


“Os EUA são o único país que pensou em implantar a intercambialidade, mas até hoje não conseguiu. O papel da Anvisa como regulador é dizer que o medicamento é seguro e eficaz. Para fazer intercambialidade do ponto de vista regulatório, seria preciso um nível tecnológico que ainda não existe.”


PRÓS

 Mais baratos

Aumentam o acesso dos pacientes a tratamentos de doenças complexas

Estimulam a concorrência, forçando os laboratórios a aperfeiçoar suas fórmulas

CONTRAS

Podem trazer consequências imunológicas ao paciente por conta de múltiplas substituições de medicamento

Podem ter perda de eficácia (entre 5% e 10% dos casos) no caso de troca de medicamentos

Podem provocar efeitos colaterais por conta de  alterações na composição 

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