Cultura do machismo alimenta a exploração sexual infantil no país

Para especialistas, é preciso acabar com a objetificação do corpo feminino e tornar denúncias acessíveis

Participantes de debate sentados em semicírculo
Kendall Thomas, da Universidade Columbia (EUA), Helen Barbosa dos Santos, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Deomar Barroso, juiz no Estado do Pará, Benedito Medrado, da Universidade Federal de Pernambuco, Maria Gabriela Manssur, da Associação Paulista do Ministério Publico, e Joana Cunha, jornalista e mediadora do debate - Keiny Andrade/Folhapress
Everton Lopes Batista
São Paulo

Acabar com a cultura machista, que trata os corpos femininos como mercadorias e que dificulta o acesso às meninas vítimas de exploração sexual, é peça essencial no combate a esses crimes.

Essa foi uma das principais conclusões dos participantes na segunda edição do fórum Exploração Sexual Infantil, realizado pela Folha no teatro do Unibes Cultural, em São Paulo, na sexta-feira (18).

O evento contou com o patrocínio do Instituto Liberta e com o apoio do Columbia Global Centers no Rio de Janeiro.

Para os especialistas, o combate a esse crime deve contar com o apoio da sociedade.

A cultura machista surge de uma combinação de vários elementos que remontam à formação do Brasil, segundo Benedito Medrado, coordenador do núcleo de pesquisas em gênero e masculinidades da Universidade Federal de Pernambuco.

As primeiras experiências de socialização surgem na infância. “Meninas são criadas de forma diferente dos meninos. A tendência é dar o mundo do cuidado doméstico para elas e associar os meninos à violência e ao cotidiano público”, disse Medrado.

"Se você entra em uma loja de brinquedos e diz que quer presente para uma criança, a primeira pergunta que vai vir não é sobre a idade, e sim sobre o sexo. Em geral, se é para uma menina, você vai ser levado para um corredor com boneca, fogãozinho", afirmou.

A maneira como o corpo feminino é retratado na TV e em comerciais, como frágil e algo a ser dominado, acaba por produzir também a erotização do corpo infantil, de acordo com Helen Barbosa dos Santos, psicóloga e pesquisadora no núcleo de estudos em relações de gênero e sexualidade da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Para Helen, violências como a exploração sexual infantil estão relacionadas com o exercício do poder e a mercantilização de tudo que é feminino.

"Muitos dos aliciadores, fotógrafos e webdesigners envolvidos com esses crimes não praticam o ato sexual em si com as vítimas, mas fazem comércio com elas", afirmou.

"Pensamos que não temos relação direta com a exploração sexual dessas crianças, mas a sociedade produz a erotização desses corpos infantis o tempo todo. Precisamos fazer uma reflexão sobre a nossa responsabilidade como sociedade", concluiu.

O machismo, porém, não pode ser uma desculpa para a falta de responsabilização dessas ações, segundo Maria Gabriela Manssur, promotora de justiça de São Paulo.

Questionados sobre a parcela de responsabilidade entre o indivíduo que comete o crime e o meio em que ele está inserido, os debatedores foram enfáticos ao afirmar que a culpa é do abusador.

"Temos de pensar que a partir de uma responsabilização da pessoa também há a responsabilização social", afirmou a pesquisadora Helen.

Segundo a promotora Maria Gabriela, “o machismo é um dos fatores que causam esse crime, que colocam a mulher como um ser humano de segunda categoria”.

Sistema de Justiça deve ser acessível para as meninas

Maria Gabriela chama a atenção para outras questões que fazem com que esse crime aumente. De acordo com a promotora, ainda falta abrir as portas do Judiciário para ouvir as mulheres.

"Precisamos olhar para essas vítimas e falar que o sistema de Justiça está aberto para recebê-las, principalmente para as meninas negras, que muitas vezes não têm espaço."

A promotora citou um caso numa cidade da Grande São Paulo de uma garota de 12 anos que foi estuprada por adolescentes em uma quadra de futebol. "A menina apenas contou o que havia acontecido quando ela me viu como uma aliada dela", afirmou.

Segundo Maria Gabriela, um dos menores infratores envolvidos nesse caso chegou a afirmar que a menina havia se insinuado. “Ele me disse: ‘a gente fez o que um homem faz’.”

Uma outra questão discutida pelos especialistas durante o fórum foi a subnotificação de casos de abuso e exploração sexual infantil ocorridos com os meninos.

Meninos evitam denunciar por medo de preconceito 

Apenas 16,5% das denúncias de violência sexual são de ocorrências com meninos, segundo dados de 2015/2016 do Disque 100 (serviço que recebe delações de violações dos direitos humanos). Para os debatedores, esse número pode ser ainda maior, mas as queixas não são feitas.

"Os garotos têm medo do preconceito e não contam para não serem estigmatizados", disse Deomar Barroso, juiz no Pará, criador do projeto Inocência Roubada, de combate a esse tipo de crime.

A promotora Maria Gabriela lembrou que a subnotificação para meninas também existe, pois elas podem enfrentar barreiras maiores na denúncia. “Meninos nunca são questionados sobre a roupa que usavam ou se eles provocaram a situação, como acontece com as meninas.”

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