Todos condenam, mas poucos denunciam exploração sexual infantil, diz Datafolha

Mais de 70% de quem vê se cala; 30% dos entrevistados dizem não saber como levar casos às autoridades

Joana Cunha
São Paulo

Todo mundo sabe que pagar para fazer sexo com crianças e adolescentes é crime. No entanto, nem todas as pessoas que já testemunharam uma situação de exploração sexual com menores de idade fizeram a denúncia.


A conclusão é de pesquisa Datafolha que abordou 2.097 brasileiros entre os dias 12 e 24 de março e constatou que 100% dos entrevistados estão cientes de que é crime pagar por sexo com uma criança de dez anos.


Quando foram questionados se também é crime pagar por sexo com adolescente de 16 anos, 95% responderam que sim —o que, dentro da margem de erro de dois pontos para mais ou para menos, também pode ser considerado perto da unanimidade. 


O diretor de pesquisas do Datafolha, Alessandro Janoni, avalia que, embora seja raro encontrar unanimidade em pesquisas de opinião, o consenso é esperado em relação a um assunto tão delicado como a exploração sexual infantil.


“É um resultado importante. Temos que esperar que a totalidade do universo pesquisado ou bem próximo disso condene a exploração sexual de crianças e adolescentes”, diz Janoni.


Pela legislação brasileira, é criminosa toda forma de exploração sexual comercial, em que se usa uma criança ou um adolescente em atividade sexual em troca de remuneração ou qualquer outra compensação, seja de modo presencial ou eletrônico.


Apesar do conhecimento unânime sobre o caráter criminoso dessa atividade, a pesquisa apontou que 17% dos entrevistados dizem conhecer algum menor de idade que já foi explorado sexualmente. 


Cerca de 24% dos entrevistados declaram já ter visto alguma situação do tipo. Desses, 72% afirmam não ter denunciado a exploração sexual que testemunharam.


O principal canal de denúncia citado é o telefone da polícia. Mas uma parcela significativa das pessoas (28%) declara não saber como denunciar um caso de exploração. A iniciativa de denunciar aumenta quanto maiores são a renda e o grau de instrução.


Para a diretora-presidente do Instituto Liberta, Luciana Temer, o alto número de pessoas que testemunharam o crime mas não denunciaram, mesmo sabendo que é errado, mostra a urgência de um combate forte à aceitação do problema.


“Isso reflete uma sociedade permissiva em relação à exploração. Precisamos desnaturalizar essa prática para que gere indignação e denúncia. Só assim mudaremos essa cultura perversa”, diz ela. 


Outro dado preocupante em relação aos resultados do Datafolha, segundo Alessandro Janoni, é a percepção de que, quando se aprofunda um pouco mais a pesquisa, há uma aceitação maior da prostituição de menores nos segmentos mais jovens da população.


A pesquisa Datafolha pronunciou frases sobre a exploração sexual infantil, concluindo que grande parte dos entrevistados em geral discorda das sentenças. 


Aproximadamente 90% dos entrevistados de todas as idades não estão de acordo com frases como “Se os pais concordam que a filha menor de idade se prostitua, ninguém tem nada a ver com isso” ou “Se a menina menor de idade já é prostituta, não tem problema pagar para fazer sexo com ela”. 


Entre os mais jovens, parece haver uma avaliação de que a vítima pode ser responsável pela própria exploração. 


Frases como “Se o menor quiser se prostituir isso é uma escolha dele” ou “Se a menina parecer mais velha e não informou a sua idade, não é culpa do homem que pagou pelo sexo” têm o endosso de cerca de 35% dos entrevistados entre 16 e 24 anos.


“Não se pode deixar que aquela unanimidade do começo da pesquisa, que mostra que 100% sabem que isso é crime, seja uma cortina de fumaça para anular esse resultado preocupante. Justamente o grupo que está mais próximo das crianças e adolescentes, a faixa entre 16 e 24 anos, tem uma aceitação maior em relação a determinados comportamentos”, diz Janoni.

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