Descrição de chapéu Inovação Educativa

Alunos ganham voz e viram diplomatas em simulações de colégios de São Paulo

Debates estimulam argumentação e oratória, habilidades que serão mais requeridas no futuro

Sabine Righetti
São Paulo

Na véspera das férias de julho, a estudante Mariana Más Conde, 17, do terceiro ano do ensino médio do colégio Santa Maria (zona sul de São Paulo), tinha uma missão. Ela relataria, como se fosse da imprensa, um debate sobre a entrada dos EUA no Iraque em 2003, conduzido pelos próprios alunos da escola, que representavam diplomatas.

A atividade, que leva o nome de Sisa (Simulação Interna do Santa Maria), acontece no colégio desde 2008. É comandada pelos alunos, que escolhem um tema histórico para ser debatido e os papeis dos estudantes. Eles vão atrás até de comida para dar conta das atividades —neste ano, por exemplo, conseguiram patrocínio de uma temakeria.

A simulação não vale nota. Mesmo assim, reúne, em média, metade dos alunos do ensino médio (são 456 estudantes ao todo) por três dias. “Isso é o mais legal: os alunos decidem ir à escola para debater”, diz Mariana.

Durante a Sisa, a escola interrompe as aulas. “A gente troca o formato tradicional de aula por uma dinâmica em que o aluno é o protagonista”, afirma Silvio Freire, diretor do Santa Maria. 

 
A aluna Mariana Más Conde no colégio Santa Maria, em São Paulo
A aluna Mariana Más Conde no colégio Santa Maria, em São Paulo - Bruno Santos/Folhapress

Os professores, claro, ajudam na pesquisa para o debate. Mas, para assistir à simulação, explica Freire, eles precisam de autorização dos alunos —e seguem as regras do estatuto elaborado pelos próprios estudantes. Ninguém, por exemplo, pode interromper quando um “diplomata” estiver falando. 

No colégio Bandeirantes (zona sul da capital paulista), os alunos também fazem simulações em um evento que acontece duas vezes ao ano e que dura um sábado inteiro. 

O colégio trabalha com o Monu-EM (Modelo da ONU para o Ensino Médio), que simula reuniões oficiais da Organização das Nações Unidas. A proposta é desenvolvida em parceria com o curso de relações internacionais da PUC-SP desde a primeira edição, em 2001, e tem crescido na escola.

Os alunos participantes ficam sabendo, por sorteio, qual país vão representar na atividade. “Uma vez uma aluna tirou o Congo e me disse que seria a voz que aquele país nunca teve”, conta Regina Mara Fonseca, professora de geografia e responsável pelo projeto. “Ela acabou ganhando como melhor delegada.”

O desempenho dos debatedores é avaliado pelos diretores de mesa, que também são alunos. “É um exercício que treina o debate, a oratória, a argumentação”, diz Regina. “São habilidades cada vez mais importantes.”

Quem também está colocando os alunos para falar é o Colégio Visconde de Porto Seguro (zona sul de São Paulo). A escola foi a primeira do país a conseguir, em 2016, uma licença oficial para organizar um evento independente do TED —série de conferências que surgiu nos EUA em que o palestrante apresenta uma ideia para melhorar o mundo em poucos minutos. 

A proposta surgiu como uma forma de trabalhar a comunicação oral e outras habilidades sociais dos estudantes. A diferença é que, no caso do Porto Seguro, quem sobe ao palco para dizer o que pensa sobre um determinado assunto são alunos do final do ensino fundamental 1. Eles têm, em média, dez anos de idade.

“A gente fala muito sobre o futuro, mas ouvimos pouco o que as crianças, que são os agentes do futuro, pensam sobre ele”, diz Silmara Rascalha Casadei, diretora geral pedagógica do colégio.

Na edição de 2017, por exemplo, os alunos falaram sobre morte de rinocerontes na África, sobre como alcançar a paz mundial e sobre carros do futuro. A ideia da escola é fazer o evento anualmente —a licença do TED tem que ser renovada a cada evento.

Colocar o aluno como protagonista, no entanto, traz desafios para a escola. “No início [da atividade de simulação dos alunos] foi difícil porque o professor tem na sua cultura a lógica do controle”, diz Freire, do Santa Maria. 

E mais: em atividades em que tem voz, o aluno aprende a discutir, a argumentar e a ter posições sobre vários assuntos —que podem ser, inclusive, diferentes da dos pais. “Na semana pedagógica a gente deixa claro quais são os objetivos da escola com a proposta da simulação”, diz.

Para a aluna Mariana, a atividade de simulação no Santa Maria foi importante para conhecer os estudantes da escola, já que a atividade engloba todo o ensino médio, e, também, para desenvolver raciocínio mais rápido “inclusive para escrever”. Isso, diz, pode ajudar no vestibular, em que a escrita é uma das habilidades avaliadas. Ela pretende prestar artes cênicas.

Além disso, a participação em simulações e em outras atividades em que o aluno seja protagonista é levada em conta na seleção de boas universidades dos EUA —algo importante para parte dos alunos. No Bandeirantes, por exemplo, 1 em cada 10 alunos participa de processos seletivos para universidades de fora do Brasil.

O desafio das escolas, agora, é como inserir o protagonismo estudantil de maneira mais generalizada na escola —e não apenas como uma atividade extra. 

“Queremos colocar essas atividades na grade para não ser mais uma coisa paralela, que saia do tradicional”, afirma Freire, diretor do Santa Maria. ”Precisamos engajar os alunos.” 

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