Descrição de chapéu Inovação no Brasil

Jargão do mundo da inovação é mais um bloco no muro entre mortais e a tecnologia

Absorção de termos e troca de linguajar ainda são entraves para quem está fora do ambiente digital

Bruno Lee
São Paulo

Nas últimas atualizações do dicionário inglês Oxford, foram incluídos os significados de termos como “ransomware” e “chief data officer”, em janeiro e em junho deste ano, respectivamente.

Apesar de não dicionarizados no Brasil, suas acepções e traduções são conhecidas, ao menos pelos envolvidos no ambiente da tecnologia e da inovação: o primeiro, vírus que “sequestra” o computador até o usuário pagar um resgate (ransom), e o segundo, executivo responsável pelo gerenciamento de dados. 

Bilionários (e aspirantes) da tecnologia dizem frequentemente que o intuito de suas invenções é fazer do mundo um lugar melhor, facilitar a vida das pessoas e coisas do tipo.

Mas o uso desse linguajar não ajuda a manter distantes as pessoas que estão excluídas desse universo (tanto a população em geral quanto empresários e empreendedores)? 

O estranhamento é comum ao processo de absorção de novos termos por uma sociedade, segundo Carlos Vogt, professor emérito da Unicamp, mestre em linguística e doutor em ciências.

“A velocidade de incorporação vai depender muito de quanto esses termos designam bens culturais e sociais e de quanto estão próximos do cotidiano”, afirma Vogt. 

Portanto, no caso da tecnologia, a tendência é que o “processo de absorção seja mais rápido do que outros”. “Estamos submetidos a esse movimento o tempo todo”, afirma o professor.

Do ponto de vista da cadeia produtiva, os jargões são “um pequeno bloco que aumenta o muro ao redor do mercado da inovação”, de acordo com Caio Bianchi, coordenador do Digital Business Lab (negócios digitais), da ESPM.

Mãe e filha no Museu de Ciência e Tecnologia, em Xiamen, na China
Mãe e filha no Museu de Ciência e Tecnologia, em Xiamen, na China - Zeng Demeng/Xinhua

“Para um microempreendedor distante dos grandes centros urbanos, falar sobre inovação já é um bicho de sete cabeças”, afirma. Quando são introduzidos os termos em seus contextos, “se torna um bicho de 30 cabeças”, acrescenta Bianchi.

Segundo ele e outros especialistas, o contexto é relevante, já que dá dimensão prática aos vocábulos, ou seja, define o que faz o tal “chief data officer”, por exemplo. Isso porque, em muitas ocasiões, a tradução literal dos termos, em sua maioria oriundos do inglês, não basta para a compreensão integral.

A absorção do linguajar, de acordo com Rafael Ribeiro, diretor-executivo da ABStartups (associação de startups), é um “ponto central e estratégico” para o entendimento da nova economia.

Os universitários , diz Ribeiro, desconhecem as profissões surgidas no mundo da inovação (e designadas por novos termos). Uma consequência disso é o fato de que, em São Paulo, mais de 1.200 vagas abertas em startups não conseguem ser preenchidas.

A solução, ainda segundo Ribeiro, passa por uma maior conexão entre academia, empresas e governo, como no Vale do Silício e em Israel.

Já para o usuário a linguagem tem menos peso, de acordo com Flavio Pripas, diretor do Cubo Itaú, espaço de apoio a empreendedores.

“Quem precisa usar o jargão é o criador da inovação. A pessoa que está usando a tecnologia precisa apertar o botão e ver a mágica acontecer.”

Há também os casos em que velhos termos passam a designar novas tecnologias. O grande exemplo disso é o uso de “notebook”. “Não impressiona a qualidade dessas mudanças, mas, sim, a velocidade. É uma marca muito forte das sociedades contemporâneas”, diz Vogt.

Essa é uma das grandes dificuldades do mundo de hoje, acompanhar a frequência das transformações (o que se aplica às novas terminologias), afirma Pripas.

“De acordo com o israelense Yuval Noah Harari, autor de ‘Homo Deus’ (2016) e ‘Sapiens’ (2011), o ser humano é programado para entender o mundo em uma escala linear, em que existe uma certa previsibilidade”, afirma Pripas.

A questão é que atualmente, diz, vivemos cada vez mais em escala exponencial.

Para superar esse cenário, o executivo recomenda aos empreendedores e aos que querem entrar no meio acompanhar a agenda de eventos oferecidos por incubadoras e aceleradoras e se aproveitar do “espírito colaborativo” das pessoas que estão no meio. “É preciso manter a cabeça aberta, ser uma esponja.”

 

Glossário

Back end Refere-se à parte não visível de um site ou serviço online, formada por servidores e bases de dados

Big data Designa grandes conjuntos de dados e seu gerenciamento; vale para padrões de trânsito de uma cidade e ocorrências de uma doença, por exemplo

Blockchain Tecnologia que funciona como uma espécie de livro-caixa digital descentralizado e compartilhado entre diversos usuários; é a base da moeda digital bitcoin

Computação na nuvem Tecnologia usada para armazenar arquivos e rodar ferramentas em servidores na internet, ou seja, fora do computador

Dark data Informações armazenadas que não têm uso para empresas e são mantidas apenas para fins de compliance

Inteligência artificial ou  AI (“artificial intelligence”) Capacidade de máquinas e programas de tomar decisões e adotar padrões de acordo com experiências anteriores

Internet das coisas Também conhecido pela sigla em inglês IoT (“internet of things”), se refere à chegada da internet a objetos usados no cotidiano, como geladeiras e aspiradores de pó

Sufixo tech Caracteriza setores tradicionais, como financeiro (fintech) e saúde (health tech), que passaram a usar inovação e tecnologia


Fontes: Datapine, skillcrush, Caio Bianchi e Flavio Pripas

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