Nuvem dá a empresa pequena acesso à velocidade de gigantes

Uso de supercomputadores e servidores remotos se torna mais fácil e barato

Marcelo Soares
São Paulo

A capacidade de processar dados em alto volume e velocidade deixou de ser um luxo de empresas líderes mundiais de mercado.

Herman Tacasey

A computação em nuvem coloca à disposição de empresas de todos os tamanhos os mesmos recursos computacionais usados por três gigantes da informática: Amazon, Google e Microsoft. 

É a “nuvem” —metáfora criada para descrever o uso de supercomputadores e servidores remotos— que permite assistir a filmes em streaming, desenvolver algoritmos de reconhecimento facial com grande eficiência, ler notícias digitais, pedir pizzas pela internet, fazer cursos a distância, conversar com amigos usando aplicativos e até ter luz em casa ao toque de um interruptor, preocupando-se menos com sua falta. 

As três empresas afirmam que vem aumentando no Brasil o apetite por usar a nuvem, mas nenhuma delas revela o tamanho do prato nacional, alegando políticas internas —só oferecem cifras globais, que colocam no mesmo pacote o Brasil e países que prestam serviços digitais para o mundo inteiro, como a Índia.

Como as três empresas dominam o mercado, é difícil ter uma ideia da dimensão dos serviços de nuvem no Brasil. 

Em 2009, o país sofreu com uma série de apagões nacionais, causados por falhas na rede de transmissão. Desde então, também houve forte expansão na demanda de energia, com maior acesso em regiões pobres e aumento no uso de aparelhos eletrônicos. 

O ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), espécie de guarda de trânsito da distribuição da energia no país, tinha modelos matemáticos para planejar a distribuição de energia que, em seus computadores, tomavam 48 horas para serem processados. Isso tornava o sistema pouco ágil para reagir a imprevistos. 

Mais ou menos na mesma época, o ONS se tornou o primeiro grande cliente brasileiro da AWS (Amazon Web Services), primeiro grande serviço de nuvem público oferecido no mundo, ainda em 2006.

Com o uso de parte dos recursos que mantêm o site da Amazon.com no ar, a empresa reduziu para 3 horas as 48 horas originais, permitindo planejar melhor a vazão de hidrelétricas e o quanto usar de energia de termelétricas, que são altamente poluentes. 

“Usamos a nuvem sem notar, do momento em que acordamos até a hora de dormir”, diz Hermann Pais, líder de marketing para desenvolvedores da AWS. 

O serviço garante o funcionamento e as recomendações da Netflix e do Spotify, as rotas oferecidas pelo Waze, os pedidos no iFood, a movimentação financeira no Nubank. E, se o usuário final não nota que está usando a nuvem, é porque a ideia é justamente essa. 

“A ideia da nuvem não é que ela seja visível, é que torne infraestrutura transparente como a energia elétrica”, diz Pais. “Ela se torna cada vez mais tão simples, fácil, acessível e barata que o usuário final não precisa saber como funciona.” 

Assim como na conta de luz, o usuário paga pelo tempo de uso: quem precisa usar mais paga mais; quem usa menos paga menos. 

É mais ou menos o mesmo modelo de cobrança usado pelos centros de processamento da IBM nos anos 1960, só que em escala maior (e mais barata). Há meio século, uma hora de processamento de cartões perfurados num IBM 7090  custava US$ 100 (R$ 390), não atualizados pela inflação. 

Hoje, o Google BigQuery, um dos serviços de processamento em nuvem do Google, cobra US$ 0,02 (R$ 0,08) por gigabyte por mês; com US$ 100 seria possível processar quase 5 terabytes de dados. Para ter uma ideia, o BigQuery leva 2,2 segundos para contar quantos homens e quantas mulheres existem na base mais recente da Rais (Relação Anual de Informações Sociais), que tem 67 milhões de linhas. Um computador comum não conseguiria sequer abrir a base inteira. 

Essa praticidade cria diversas oportunidades de negócios. Domingos Monteiro, CEO da Neurotech, empresa pernambucana especializada em inteligência artificial há 15 anos, gastou US$ 1 milhão (R$ 3,9 milhões) para construir um data center na Holanda, com capacidade para processar o volume de dados necessário à criação de modelos de risco para bancos e seguradoras. Em três anos, desistiu do sonho da nuvem própria e passou a usar a da Amazon.

“Antigamente tinha que comprar computador, licenças de software, de bancos de dados. Hoje, você monta uma empresa com dois ou três cliques e pode usar inteligência artificial em companhias de qualquer tamanho”, afirma Monteiro. “Não precisa investir em infraestrutura, data center, equipe de tecnologia. Tudo hoje é oferecido como serviço.”

A nuvem da Azure, da Microsoft, tem sete anos e está no Brasil desde 2014. Dentro de poucos dias, a empresa deve apresentar um projeto oferecido à Casa Civil, que utiliza as capacidades de inteligência artificial para rastrear e conectar numa espécie de teia todos os atos legais já publicados no Diário Oficial da União, segundo Alessandro Januzzi, diretor de engenharia e inovação da empresa.

A Microsoft também trabalha com a Secretaria da Educação de São Paulo para ajudar a prever e evitar a evasão de estudantes da rede pública. 

Conhecida como uma empresa que vende software, a companhia nos últimos quatro anos mudou de estratégia. Passou a dar mais suporte a tecnologias de código aberto, como programas escritos nas linguagens R e Python, as mais usadas no mundo para o desenvolvimento de algoritmos de inteligência artificial.

Isso, segundo Januzzi, tem tudo a ver com o uso da nuvem. “Ninguém faz nuvem sem código aberto”, diz. O importante, diz, é que as necessidades mais variadas das empresas estejam atendidas pelo poder da nuvem. 

A Azure trabalha com parceiros como a Brasoftware, que desenvolve serviços na nuvem para empresas de variados portes. 

Jorge Sukarie, presidente da Brasoftware, conta que desenvolveu com um ecommerce de roupas um serviço de apoio à devolução de produtos. Em vez de o consumidor precisar lembrar de todas as especificações da peça, uma fotografia da roupa rejeitada permite que o sistema localize a referência no banco de dados e agilize a devolução. 
 

Sakarie, que atua no mercado de tecnologia no país há mais de 30 anos, vê na nuvem uma chance para que as empresas menores atuem em pé de igualdade com as grandes, ao menos no que se refere à capacidade técnica. “Hoje o que um grande banco usa é o mesmo que uma microempresa usa”, afirma. 

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.