Descrição de chapéu Viver com Dor

Medo e escassez de opioide no país levam a subtratamento da dor

Desinformação de médicos e pacientes impede uso de drogas para aliviar sofrimento, dizem especialistas

Mesa de debate do seminário Viver com Dor, no auditório da Folha, em São Paulo; da esq, para dir., Cláudia Collucci, jornalista da Folha e mediadora, Angela Sousa, do Icesp, João Batista Garcia, professor da Universidade Federal do Maranhão, Guilherme Moreira de Barros, professor da Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp)
Mesa de debate do seminário Viver com Dor, no auditório da Folha, em São Paulo; da esq, para dir., Cláudia Collucci, jornalista da Folha e mediadora, Angela Sousa, do Icesp, João Batista Garcia, professor da Universidade Federal do Maranhão, Guilherme Moreira de Barros, professor da Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp) - Reinaldo Canato/Folhapress
Leonardo Neiva
São Paulo

​Na contramão do que acontece nos Estados Unidos, onde existe surto de casos de overdose por uso de medicamentos opioides, pacientes com dor no Brasil e na América Latina ainda recebem tratamento em níveis inferiores ao considerado adequado.

Opioides são drogas derivadas da papoula, geralmente usadas para alívio da dor, como a morfina.

Enquanto nos Estados Unidos a média de consumo desses fármacos é de 500 mg por pessoa ao ano, no Brasil o uso cai para cerca de 10 mg, segundo dados de 2016 do INCB (Conselho Internacional de Controle de Narcóticos).

Entre os motivos para o baixo índice de utilização no Brasil, estão o medo por parte de profissionais e pacientes e a falta de medicamentos, de acordo com João Batista Garcia, professor da Universidade Federal do Maranhão e presidente da Federação Latino-Americana das Associações para o Estudo da Dor.

Garcia falou durante o seminário Viver com Dor, realizado pela Folha, no dia 17, em São Paulo. O evento teve patrocínio do laboratório Cristália e apoio da farmacêutica Mundipharma e da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor.

A mediação dos debates foi feita pelos jornalistas da Folha Cláudia Collucci e Everton Lopes Batista.

Segundo o médico da Federal do Maranhão, grande parte dos medicamentos ainda é escassa e cara no país.

“Recentemente, avaliei um paciente em Altamira, no Pará. Ele tinha câncer de pâncreas e não podia mais consumir analgésicos por via oral. Apesar de sentir dor e falta de ar, nenhuma farmácia ou hospital da região tinha morfina injetável. Essa é uma amostra do que acontece em todo o país.”

Além da falta de recursos, médicos têm medo de prescrever opioides mais fortes, devido aos excessos relatados em outros países e ao receio de gerar dependência ou overdose. Esses riscos, porém, estão distantes da realidade brasileira, onde a dor ainda é subtratada, segundo Garcia.

 

“Já vi pacientes sofrendo, tomando um analgésico fraco, porque o médico não quis receitar morfina. Morfina não é só para quando a pessoa está morrendo. É preciso mudar esse pensamento. É um analgésico como outro qualquer”, afirmou Angela Sousa, chefe do Centro Multiprofissional de Tratamento de Dor do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira).

 

A desinformação do público também tem sido uma barreira para o crescimento do uso de opioides no Brasil. Um temor bastante comum nos pacientes são os efeitos colaterais, segundo Angela.

A melhor forma de reverter esse quadro, dizem os especialistas, é promover a educação de profissionais e de pacientes para o tratamento da dor.

Guilherme Moreira de Barros, médico e professor do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp), alertou para os riscos da automedicação, que ocorre entre pessoas que não têm acesso a um tratamento adequado.

Quando se automedicam, muitos recorrem ao uso de anti-inflamatórios. Para Barros, essas drogas são perigosas, especialmente se ingeridas de maneira indiscriminada.

A imprecisão do diagnóstico é outro aspecto que dificulta o tratamento da dor, já que ele depende do testemunho do próprio paciente.

“Os médicos têm dificuldade para avaliar a intensidade da dor porque muitas vezes parte do que o paciente diz sentir não é físico. Existem ali outros componentes, como medo da morte, isolamento, receio de ter de abandonar a família”, afirmou Barros.

No caso da fibromialgia, que causa fortes dores pelo corpo e não tem cura, a existência da doença já chegou a ser posta em dúvida devido à dificuldade de detecção clínica, segundo o médico da Unesp.

De acordo com especialistas presentes no seminário, a definição de dor deve ser aquilo que o paciente afirma sentir, seja decorrente de sofrimento físico, psicológico ou social.

Quando o paciente sofre de uma doença que afeta a sua capacidade de se expressar, o diagnóstico precisa ser feito por meio da observação. Para isso, o médico analisa aspectos físicos, como expressões faciais, movimento dos membros superiores e reações a estímulos, e também comportamentais, como alimentação, lembraram Angela e Barros.

Para Garcia, da Federal do Maranhão, como a dor é sentida de forma individual, seu tratamento também deve ser individualizado. “A função do médico é fazer uma interpretação clínica que permita tratar cada paciente.”

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