Ensino do país deve mudar para formar profissional do futuro

Para especialistas, indústria 4.0 exige habilidade socioemocional e criatividade

São Paulo

Para preparar o profissional do futuro, o sistema de ensino brasileiro deve ser reformulado a fim de buscar diversidade nas formas de aprender, estimular a curiosidade e dar ferramentas para adaptação em um mercado de trabalho dinâmico.

“Invistam continuamente em educação, mas não em um sistema que encha as crianças de fatos e as faça decorar coisas”, disse o sul-coreano Youngsuk ‘YS’ Chi, presidente da Elsevier, maior editora científica do mundo, e diretor no Relx Group, na abertura do seminário O Futuro do Emprego e o Emprego do Futuro.

O evento, realizado pela Folha, com patrocínio do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e apoio do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), aconteceu na sexta-feira (30), em São Paulo.

Mesa de debate do seminário O Futuro do Emprego e o Emprego do Futuro, realizado pela Folha, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo - Reinaldo Canato/Folhapress

A chegada da indústria 4.0, caracterizada pelo uso de conectividade e inteligência artificial para aumentar a eficiência, tem modificado o mercado de trabalho ao eliminar postos e redesenhar funções.

A educação para lidar com as tecnologias emergentes deve permitir que o estudante se aventure em diferentes áreas de conhecimento até compor suas próprias aptidões, segundo Chi. “Hoje, a educação não acaba quando você sai da sala de aula. Aprender deve ser para a vida toda”, afirmou.

No novo contexto, o desenvolvimento de competências alinhadas com paixões que motivem o profissional é mais importante que cargos em empresas de renome. “Colecione habilidades, não credenciais”, disse Chi.

A educação continuada para diversos níveis e faixas etárias pode alçar o Brasil a um lugar de destaque no cenário global, segundo o executivo.

“No Brasil, vocês têm tudo. Recursos, como água, comida. E pessoas não faltam. Venho de um país [Coreia do Sul] que não tem nada disso, e ainda assim somos uma das maiores economias do mundo.”

A carência de recursos educacionais e profissionalizantes para especialização da mão de obra é um dos principais desafios para o país ampliar seu espaço no mundo informatizado, segundo especialistas que participaram dos painéis de discussão no evento. 

“Esquecemos que metade dos colégios públicos brasileiros não tem internet, e a outra metade só tem o suficiente para o diretor conseguir mandar email”, lembrou Fabro Steibel, diretor-executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

Adaptar novas tecnologias à realidade da produtividade exige reformulação do sistema de ensino profissional.

“No Brasil, 8% dos jovens fazem formação técnica. Nos países emergentes mais bem-sucedidos, acima de 50% dos jovens fazem cursos técnicos”, disse Rafael Lucchesi, diretor de educação e tecnologia da CNI e diretor-geral do Senai.

Lucchesi defendeu a reforma do ensino médio, que qualificou como estagnado. “Tem de sair da educação de baixa produtividade e reprodução. A quarta revolução industrial exige novas competências socioemocionais, bem como maior capacidade de colaboração, comunicação, criatividade, interpretação de dados e trabalho coletivo”, disse.

A reforma do ensino médio, aprovada em 2017, só passará a valer oficialmente após a aprovação da Base Nacional Comum Curricular, que está em discussão no Ministério da Educação. A implementação tem prazo de dois anos.

Uma formação generalista poderia dar conta dos desafios do trabalho do futuro, segundo Paulo Feldmann, economista e professor da FEA-USP.

A maior parte das ocupações que conhecemos deixará de existir daqui a algumas décadas, segundo Feldmann, e caberia ao país investir na formação de jovens para ocupações que ainda não foram inventadas. “Vai ser cada vez mais difícil resolver a questão do desemprego do que foi no passado”, afirmou.

Congresso discutiu nos anos 1980 projeto para barrar robô

A perda do emprego para máquinas ou robôs é uma preocupação frequente. Em diferentes momentos, a introdução de novas tecnologias foi motivo de receio por parte de trabalhadores.

No final da década de 1980, o Congresso chegou a discutir a questão, num momento em que a indústria montadora passava a automatizar a produção. Um projeto de lei, proposto pelo então deputado federal José Camargo (PFL-SP), vedava o uso de robôs na indústria de manufaturados.

“Não nos parece oportuna a importação de robôs para substituírem a mão de obra humana na indústria neste momento em que o país atravessa um processo trabalhista muito sensível”, segundo o texto da ementa do projeto.

Feldmann foi chamado na época para participar de uma comissão criada pelo Congresso para o debate. “Teria sido um desastre para o Brasil aprovar aquele projeto”, afirmou no seminário.

Segundo o professor, impera no país falsa esperança de que novos empregos gerados pelas tecnologias compensarão a perda de ocupações. “Desta vez, a coisa é para valer. As empresas precisam se modernizar, a competição impõe busca de novas tecnologias.”

Bianka Vieira, Everton Lopes Batista e Vanessa Henriques
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