Descrição de chapéu
O Futuro do Emprego e o Emprego do Futuro

Novo artesão é caricatura, mas também pista sobre o que vai ser do trabalho

Nas hipóteses mais otimistas, automação traz mais renda a ser gasta em coisas não inventadas

Vinicius Torres Freire
São Paulo

O preparo de fast food em restaurantes é um trabalho tido como moribundo em muito relatório sobre o futuro, assim como a operação rotineira de máquinas e tarefas de escritório repetitivas ou previsíveis.

No entanto, faz duas décadas a profissão de cozinheiro mais especializado não era tão reputada ou difundida. Por falar em cozinheiros, muitos chamados de “chefs”, é comum entre eles o gosto por tatuagens, outro comportamento de difusão mais recente, outra atividade mais artesanal que se tornou alternativa comum de trabalho.

Trabalhadores sem lugar em fábricas, lanchonetes e escritórios encontrariam emprego como padeiros artesanais, doceiros finos, marceneiros customizados ou tatuadores? Não, isso é uma caricatura, claro, embora seja também uma pista para pensar o que vai ser do trabalho. Muita gente pode ser apenas precarizada. Mas não só.

Reprodução de xilogravura do artista Fernando Vilela
Reprodução de xilogravura do artista Fernando Vilela - Eduardo Knapp/Folhapress

O Sebrae contava em 2017 mais de 11 mil estúdios de tattoo e body piercing no país registrados oficialmente como microempreendedores individuais. O número de trabalhadores no negócio deve passar da casa de duas dezenas de milhares.

Pouco? Nem tanto. As fábricas de carros, centrais na indústria brasileira, empregam 112 mil trabalhadores. Claro que a cadeia de produção e serviços das montadoras é enorme (indústria de peças e partes, revendas, reparos etc.). 

Não se trata de comparar o peso econômico desses setores, mas de dar a dimensão de uma atividade artesanal que apenas parece diminuta e é um entre tantos empregadores sem tradição e que podem crescer mais rapidamente do que as velhas fábricas.

Outra pista oferecida por esse exemplo aparentemente caricato: certos consumidores agora dispõem de dinheiro o bastante para gastar também no serviço de desenho de seus corpos, uma demanda nova que cria emprego. Gastam ainda em terapias, treinadores esportivos, serviços de beleza, palestras, cursos, viagens ou em marmitas e “produtos da horta” entregues em casa. Gastam em pacotes de dados a fim de obter entretenimento no celular ou em assinaturas de TV e filmes, serviços que, por sua vez demandam o trabalho de “criativos”, inclusive “youtubers” profissionais.

Muitos não eram trabalhos comuns até o final dos anos 1990, ontem, em termos históricos.

Rendimento extra, crescente, é possível apenas com crescimento econômico, que depende de ganhos de produtividade, em parte propiciados pela automação. Nas hipóteses otimistas, automação e inteligência artificial criam condições para mais crescimento econômico, mais renda que pode ser gasta em mais produtos e serviços, alguns ainda a serem inventados.

Com essa dinâmica feliz, novos trabalhos apareceriam. No entanto, economistas, cientistas sociais e consultorias alertam que a transição pode ser crítica, a depender de arranjos políticos e sociais.

Em estudo lançado no ano passado, o McKinsey Global Institute estima que até 15% do total de horas trabalhadas atualmente podem ser automatizadas em 2030 (esse é o cenário intermediário). Quanto mais avançado o país, mais automatização: no Japão, 26% das horas de trabalho seriam automatizadas. No Brasil, cerca de 14%; no Quênia, 5%.

Países com renda não mais do que média (como o Brasil), “emergentes”, ainda precisam desenvolver sua infraestrutura física (obras públicas, habitação, energia), serviços sociais, finanças e mesmo manufaturas. Em suma, ainda teriam um tanto mais de empregos “tradicionais” a criar. Além disso, contam com mão de obra mais barata, o que em tese torna a automação avançada menos interessante economicamente, de imediato.

A transição será mais ou menos traumática a depender de como a sociedade vai lidar com a crise. Isto é, do que deve fazer com distribuição de renda, serviços de acolhimento e capacitação de trabalhadores afetados, de oferta de serviços sociais públicos e, mais importante, do acesso igualitário a boa educação.
Além do mais, a transição do emprego vai ocorrer em paralelo a outras duas mudanças críticas: o aumento da idade média da população mundial (envelhecimento) e os problemas ambientais (esgotamento de recursos naturais, aquecimento, lixo, poluição, energia). Isto posto, quais empregos podem aparecer?

No ano passado, por exemplo, a Suécia diminuiu o imposto sobre serviços do conserto de roupas, sapatos, bicicletas e eletrodomésticos. A ideia é reduzir desperdício e consumo a fim de baixar um tanto mais as emissões de carbono.

É um incentivo pequeno, quase um empurrão de natureza cultural em um país dedicado a ganhos de eficiência, em especial energética. Em escala reduzida e no caso sueco, pelo menos, estimula um novo ou renovado tipo de emprego —afinal, alfaiates e costureiros já foram comuns.

Não é exemplo de criação maciça de empregos do futuro, é óbvio (serviços e cuidados sociais é que devem absorver muita mão de obra em sociedades mais ricas e civilizadas). Mas é um pequeno exemplo de novidades que podem surgir em meio às mudanças provocadas pela automação, por problemas ambientais e pelo envelhecimento.

No caso da economia da transição energética, haverá muito mais que sapateiros ambientalmente corretos. Novos empregos e trabalhos virão, claro, do setor de novos equipamentos de produção de energia ou de reciclagem de materiais, mas não apenas.

Podem ganhar escala relevante iniciativas ainda modestas de reurbanização ecológica, recuperação de áreas agrícolas e florestais degradadas ou de adaptação de construções a padrões novos de eficiência energética –o que inclui até mesmo o caso pitoresco dos jardineiros de tetos de casas e prédios.
Um estudo feito por McKinsey Global Institute (“Jobs Lost, Jobs Gained: Workforce Transitions in a Time of Automation”, dezembro de 2017) tenta projetar tendências mais centrais de perdas e ganhos de trabalho.

Como já é bem sabido, serviços de saúde para idosos terão demanda, de médicos a cuidadores. Mais obviedade: aumentaria a procura de cientistas da computação, engenheiros, administradores de TI, executivos e gerentes de alto nível e, cada vez mais, de trabalhadores do entretenimento e da cultura.

Outra tendência seria a “mercantilização” do trabalho doméstico (o que ocorre no Brasil, por precariedade, por falta de oportunidades educacionais e, pois, por excesso de mão de obra barata: empregadas domésticas). No mundo mais rico, serviços de preparo de alimentos caseiros, cuidados de criança

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