Operários criam laço com robô-ajudante e o chamam de Tião

Ligação entre homem e máquina é inevitável quando interação é bem-sucedida, diz professor

Anna Satie Gabriel Rodrigues
São Paulo

Quando a inspetora de qualidade Fabiana Mendes, 35, soube que a linha de produção em que trabalha seria automatizada, ficou apreensiva. Funcionária do grupo multinacional Saint-Gobain há seis anos, ela divide o trabalho com um robô que executa parte de suas tarefas.

Sete meses depois da mudança, Fabiana está à vontade com o equipamento, um braço mecânico que empilha as caixas dos produtos que ela checa manualmente. “Que venham mais robôs”, brinca.

Um relatório de 2017 da consultoria McKinsey aponta que, com o estágio atual da tecnologia, menos de 5% dos trabalhos poderiam ser totalmente automatizados hoje. O levantamento estima, porém, que ao menos um terço das atividades envolvidas em 60% de todos os empregos poderia ser feito por automações.

Máquinas que dividem tarefas com pessoas, lado a lado, são conhecidas como robôs colaborativos, ou “cobots”. 

Diferentemente dos robôs tradicionais, que costumam ficar isolados do contato humano por grades ou outras barreiras físicas, os “cobots” podem operar no mesmo espaço que os trabalhadores.

Trabalhar em contato tão direto com os robôs tem alterado a forma como operários se relacionam com as máquinas em algumas empresas. Em uma fábrica atendida pela Pollux, que aluga “cobots”, um robô foi batizado como Tião em homenagem a um funcionário que estava se aposentando, por exemplo.

Não é o único colega de trabalho eletrônico a ganhar um apelido. O engenheiro de processos Sidinei Pieretti, 41, conta que isso também acontece na planta da Electrolux em Maringá, onde trabalha. “Com apelido, é mais fácil a identificação”, afirma.

Gestores dessas fábricas acreditam que esse tipo de brincadeira serve como descontração no dia a dia. Para especialistas em robótica, a relação é objeto de estudo. 

De acordo com Plínio Aquino, professor de robótica do Centro Universitário FEI, laços emocionais com as máquinas são inevitáveis quando a interação é contínua e bem-sucedida.

“Não é exceção, é regra. Quando o trabalhador reconhece a importância daquele equipamento, que ele torna o trabalho mais produtivo e prazeroso, passa a olhar com carinho as funções que a máquina executa”, explica.

Apesar disso, a adaptação não é automática: a adoção de “cobots” exige treinamentos específicos. Fabiana, da Saint-Gobain, teve de aprender a realizar pequenas intervenções no seu colega de trabalho automatizado, por exemplo.

Além disso, trabalhadores cujas funções agora são realizadas por robôs também têm de se adaptar. Alex Tosetto, diretor de TI da DHL na América Latina, conta que a empresa tem treinado essas pessoas para outras atividades. “Alguém que trabalha há dez anos no armazém tem conhecimento da operação. É quem tem que ser treinado para lidar com as inovações”, diz.

Essas empresas dizem não ter demitido nenhum funcionário por causa da automação. Segundo elas, a produtividade trazida pelas máquinas permite que as pessoas que tiveram o trabalho afetado sejam remanejadas.

Ainda assim, a maioria dos brasileiros é pessimista em relação à chegada da automação ao mercado. Um levantamento do instituto de pesquisa de opinião Pew Research Center, divulgado neste ano, mostra que 83% dos adultos do país acreditam que vai ser difícil as pessoas encontrarem emprego em um mercado mais automatizado e 37% pensam que haverá empregos novos e mais bem pagos.

O cenário é parecido em outros nove países, emergentes e desenvolvidos. Em todos eles, a maioria das pessoas preveem que os trabalhos serão completamente substituídos por máquinas em até 50 anos.
“O custo médio de uma hora de um trabalhador manual é de US$ 49 (R$ 188) na Alemanha e US$ 36 (R$ 138) nos EUA. O de um robô, US$ 4 (R$ 15). Até onde o uso de computadores e inteligência artificial se espalhará?”, questiona o relatório da pesquisa.

Ao que tudo indica, os “cobots” não ficarão restritos à área industrial. Existem projetos de robôs colaborativos que atuam como assistentes em universidades e escritórios. Um exemplo é o protótipo brasileiro Tinbot. 

“O Tinbot foi pensado para ser um assistente de gestão”, diz o inventor da máquina, o programador Marco Diniz. O robô tem cerca de meio metro de altura e formato humanoide, com braços e mãos, e mostra expressões faciais.

De acordo com Diniz, o Tinbot pode ser programado para atuar como recepcionista e até para monitorar o desempenho dos colegas humanos, alertando-os quando as metas estão abaixo do esperado, por exemplo.

Para um funcionário que trabalha perto do robô e pediu para não ser identificado, a iniciativa ainda é muito incipiente. “A gente enxerga como se fosse um acessório”, conta. Para ele, essa visão só mudará quando a inteligência artificial da máquina evoluir o bastante para agir de maneira além do que é programado. 

Esse é o desafio de um grupo de pesquisadores da Carnegie Mellon University, na Pensilvânia (EUA), onde um projeto de “cobot” é desenvolvido desde 2011. Os robôs colaborativos da universidade circulam pelo prédio do departamento de computação, levando avisos, agendando reuniões e guiando visitantes.
A doutoranda Anahita Mohseni Kabir diz que o próximo passo é fazer com que “cobots” se tornem conscientes do ambiente em que estão inseridos.

“Ainda estamos nos primeiros passos para termos robôs que são úteis, responsáveis e que interagem e aprendem de maneira autônoma”, afirma a coordenadora do projeto, a professora Manuela Veloso.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.