Falta articulação entre governo e sociedade no combate à exploração sexual infantil

Iniciativas de sucesso apostam em tecnologias, parcerias e mudança cultural

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Débora Yuri
São Paulo

Tirar um tabu da escuridão e iluminá-lo com tecnologia. Para avançar no combate à exploração sexual infantil, segundo especialistas, o Brasil precisa superar barreiras culturais, falar sobre o tema e adotar de forma ágil novas ferramentas digitais. 

A estimativa é que apenas 10% dos casos de violência sexual contra meninos e meninas sejam informados no país, de acordo com a ONG Childhood Brasil. 

Além de subnotificados, eles são descentralizados. Não existe um sistema para integrar as denúncias —recebidas tanto em órgãos policiais como em serviços de saúde, conselhos tutelares e pelo Disque 100.

Um dos pontos críticos do Brasil é justamente a coleta de dados, mostra o relatório Out of the Shadows (fora das sombras, em inglês), publicado em janeiro pela revista The Economist com apoio da World Childhood Foundation.

O estudo avaliou o combate ao abuso e à exploração sexual infantil em 40 países, que abrigam 70% da população mundial de crianças. Compromisso e capacidade do governo de enfrentar esses crimes foi outra deficiência brasileira levantada no relatório.

Na 11ª posição do ranking, o país apresenta, em contrapartida, destaques positivos: a legislação, a mobilização do setor privado e a cobertura do tema pela imprensa.

Para Roberta Rivellino, presidente do braço nacional da ONG, o problema não é ausência de recursos, e sim falta de articulação entre governo, sociedade civil e empresariado. “Também há questões culturais que ainda não foram ultrapassadas”, diz, lembrando que o país ocupa o quarto lugar em número de casamentos infantis no mundo.

Ela observa que o abuso sexual não tem classe social, mas a exploração, sim. “São vários assuntos complexos interligados: empoderamento feminino, questão de gênero, primeira infância, tirar famílias da zona de pobreza, cuidar do agressor para ele não reincidir no crime. Isso exige diversos ministérios trabalhando juntos.”

Obra 'Natureza Morta com Peixe" (2017), de Ana Elisa Egreja
‘Natureza-Morta com Peixe’ (óleo sobre tela), de Ana Elisa Egreja - Reprodução

No ano passado, 30.789 casos de violências sexuais contra crianças e adolescentes foram registrados no Ministério da Saúde, um aumento de 130% em relação aos 13.378 reportados em 2011. 

E as denúncias cujas vítimas são garotos, tradicionalmente desencorajadas por machismo, homofobia ou medo da associação com a vulnerabilidade, estão crescendo, afirma Roberta.

Entre 2011 e 2017, os meninos representavam 25,8% das vítimas de crimes sexuais contra crianças de até nove anos informados por serviços de saúde no país. 

A SaferNet Brasil, que atua contra infrações cibernéticas, recebeu 60.002 denúncias de pornografia infantil envolvendo 24.612 endereços de internet distintos em 2018. A ONG usa uma ferramenta que agrega dados próprios, da Polícia Federal e da Secretaria de Direitos Humanos.

Os avanços, entretanto, são insuficientes. “Houve evolução das tecnologias de detecção dessas imagens. Algumas conseguem remover o conteúdo antes mesmo de ele ser denunciado, mas o Estado ainda patina”, diz Thiago Tavares, presidente da entidade. 

“Faltam políticas públicas e orçamento para cuidar da infância. A prioridade é mais retórica que prática.” 
Para Rosana Vega, chefe de proteção do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) no Brasil, reconhecer a exploração como crime é um dos desafios elementares do país: “Muita gente tenta justificar essas atividades”. 

Além da criação de um cadastro único para registro dos casos, as leis precisam ser aplicadas. “Temos a legislação, mas o que é efetivamente feito?”, questiona Leila Posenato Garcia, pesquisadora do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). 

Para ela, a ausência de dados quer dizer algo: que a sociedade não se preocupa com o assunto.

Projetos bem-sucedidos no enfrentamento

Big data acadêmico 
Parcerias entre o governo e a academia fortalecem a rede de proteção. A Secretaria de Segurança Pública do Ceará, por exemplo, tem apoio do Núcleo de Aplicação em Tecnologia da Informação da Universidade de Fortaleza. O departamento desenvolve ferramentas de big data que reúnem, organizam, medem e interpretam um grande volume de dados sobre abuso, exploração, suicídio e automutilação, além de criar aplicativos para ajudar na busca por crianças desaparecidas

Iniciativas intersetoriais   
O envolvimento do setor privado precisa ser estimulado. Um caso de sucesso é o Na Mão Certa, parceria da Childhood Brasil com empresas, concessionárias e a PRF (Polícia Rodoviária Federal). O programa age na cadeia de transporte, com base em estudos que mapeiam pontos de alto risco para exploração infantil nas rodovias do país. Sensibilizar caminhoneiros para atuarem como agentes de proteção é uma das estratégias adotadas

Inteligência artificial & machine learning  
A tecnologia virou aliada, e empresas gigantes do setor têm se mostrado engajadas na causa. Em colaboração com o Dartmouth College (EUA), a Microsoft criou o PhotoDNA, ferramenta “open source” que detecta pornografia infantil na internet, bloqueia seu compartilhamento e reporta os envolvidos às autoridades. Já o Facebook usa inteligência artificial e machine learning para identificar casos de exploração na plataforma e denunciá-los

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