Descrição de chapéu Economia da Arte

Galerias filtram artistas em busca do sucesso

Regulação e transparência desse mercado ainda opaco avançam, mas especialistas apontam lacunas em políticas públicas

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São Paulo

​Um artista solitário, sofrendo para dar vazão ao gênio criativo e despreocupado com problemas mundanos. A imagem, presente no senso comum, reflete pouco a cena contemporânea, impulsionada por fluxos financeiros globais que conectam artistas, galerias, casas de leilões, colecionadores, museus e críticos.

De acordo com um relatório produzido pelo grupo Art Basel, o mercado de arte global movimentou no ano passado US$ 63,7 bilhões (R$ 261,4 bilhões), 84% deles concentrados nos Estados Unidos, no Reino Unido e na China. No Brasil, não existem dados confiáveis sobre o tamanho do setor —estimativas variam de R$ 600 milhões a R$ 1,2 bilhão.

Com vocabulário e códigos próprios, este é um mundo que pode ao mesmo tempo fascinar e assustar os não iniciados. “As pessoas ficam com medo de entrar nas galerias e perguntar o preço”, afirma 
Juliana Neufeld Lowenthal, advogada especializada em direito da arte. Para ela, novas plataformas na internet e feiras como a SP-Arte, a maior do setor no Brasil, vêm contribuindo para ampliar o acesso ao mercado, mas ainda sobra desconhecimento.

“Colecionar obras de arte é um negócio que, como qualquer outro, requer conhecimento técnico, estudo, informação e sensibilidade”, diz Luciana Brito, proprietária da galeria homônima e presidente da Associação Brasileira de Arte Contemporânea, a Abact.

“O colecionador e até mesmo compradores eventuais precisam, mais do que nunca, buscar informações sobre a carreira dos artistas, acompanhar os eventos ligados ao setor e visitar as feiras de arte brasileiras e estrangeiras.”

No mundo de muitos artistas, cabe às galerias o papel de intermediárias entre quem produz e quem compra, daí a ansiedade dos artistas sobre quem vai representá-los.

“Com a representação comercial, você entra em outro circuito, além de começar a fazer exposições comerciais. É a galeria que viabiliza a ponte com o colecionador”, diz o artista Rodrigo Sassi, hoje representado pelas galerias Central, em São Paulo, e pela Nosco, em Marselha, na França. 

Suas primeiras exposições foram em salões com mais 20 ou 30 artistas, que ofereciam pouca visibilidade. Nos seis anos que separaram a conclusão do curso de artes plásticas na Faap e a primeira representação por uma galeria, Sassi trabalhou como montador de exposições e foi assistente do artista Henrique Oliveira, quase dez anos mais velho.

“Os alunos vêm sempre me perguntar o que precisam fazer para ter uma galeria”, diz a artista e professora Sandra Cinto. “A preocupação acaba ficando maior em torno disso do que com a própria obra. Na minha época isso não existia. Não tinha dinheiro e ponto.”

Em 2016, existiam no Brasil 627 galerias de arte, de acordo com a Relação Anual de Informações Sociais, do Ministério da Economia.

Pesquisa da Abact e da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, a Apex-Brasil, sobre o mercado primário indicou que, de 45 galerias associadas em 2017, 51% atuam tanto no mercado primário —representação de artistas em atividade e venda de seus trabalhos recentes— quanto no mercado secundário —revenda de obras de arte de artistas consagrados, quase sempre já mortos.

No mercado secundário, as relações de galeristas com herdeiros dos artistas são mais frequentes, e os preços das obras costumam ser maiores.

“Trata-se de um mercado opaco, em que muitas informações não são divulgadas, apesar de a regulação brasileira ter avançado nos últimos quatro anos”, afirma Nei Vargas da Rosa, pesquisador de mercado de arte na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

A portaria 396, publicada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, em 2016, determina que pessoas e empresas que negociam obras de arte criem mecanismos de combate à 
lavagem de dinheiro e mantenham registro das transações superiores a R$ 10 mil. A norma também estabelece que aquisições em espécie acima desse valor sejam comunicadas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras,  o Coaf, bem como eventuais transações suspeitas.

“A nova portaria foi publicada como resultado de uma tendência mundial de prevenção à lavagem de dinheiro e representa uma mudança de mentalidade à medida que o mercado fica mais maduro”, afirma Lowenthal.

Especialistas, no entanto, ainda apontam a falta de iniciativas públicas de estímulo à criação e dinamização do mercado —poucos museus, por exemplo, têm uma política sistemática de aquisições.

A Apex-Brasil apoia desde 2011 um programa de incentivo à inserção das galerias brasileiras no mercado internacional, com subsídios à participação em feiras no exterior e encontros de galerias, além de um programa que traz formadores de opinião ao Brasil para visitar centros culturais e estudar artistas. Elogiada, a iniciativa ainda é vista como isolada no cenário de fragilidade das políticas públicas voltadas ao setor cultural.

“Precisa de mais política, não menos. Um olhar contemporâneo que considere o desenvolvimento cultural e seu impacto econômico, independente do artista e de sua posição política”, defende Cristiane Olivieri, advogada especialista no setor cultural. “O Brasil é uma potência na área de economia criativa, e a cultura nacional poderia ser um gerador de divisas e aquecimento da economia”, afirma.

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