Burocracia e desinformação emperram acesso a crédito para produção sustentável

Na última safra, quase um quinto da verba do principal fundo público do país não foi solicitada

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São Paulo

Na safra 2018-2019, quase 20% da verba destinada para financiar iniciativas de agronegócio sustentável no Plano ABC, do governo federal, não foi utilizada. A linha de crédito, batizada com a sigla de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono, é a principal fonte de recursos para o setor.

Foram previstos R$ 2,1 bilhões e utilizados R$ 1,62 bilhão —82% do total. Na safra 2017-2018, foram contratados R$ 1,54 bilhão, 72% do montante disponível. 

A burocracia exigida dos agricultores e a falta de divulgação dos programas de incentivo são alguns dos entraves apontados por especialistas para explicar a subutilização do recurso.

“Há falta de informação generalizada, e isso deixa o agricultor em dúvida se realmente vale a pena tentar o crédito”, diz Ângelo Gurgel, coordenador do mestrado profissional de Agronegócio da FGV (Fundação Getulio Vargas). 

Para representantes do setor, outro fator que emperra liberações são as exigências do programa, entre elas a de ter um projeto claro sobre como os recursos serão usados para mitigar danos ambientais. 

“Não queremos afrouxamento de regras. As regras são factíveis, mas o jeito de fazer isso está complicado”, diz Luiz Cornacchioni, diretor executivo da Abag (Associação Brasileira do Agronegócio). 

Na opinião dele, o processo de liberação de crédito para a agricultura sustentável deveria passar por uma simplificação. “O mecanismo probatório e burocrático acaba afastando o produtor rural, que gasta tempo e dinheiro, o que acaba não compensando”, afirma Cornacchioni.

Segundo Rafael Barbieri, especialista em infraestrutura natural e uso do solo do WRI Brasil (World Resources Institute), entre 2013 e 2018 foram liberados cerca de R$ 1 trilhão para financiamento do agronegócio em geral, mas só R$ 17 bilhões desse total foram destinados para o financiamento da agricultura sustentável. 

“Ainda há muito para crescer nesse sentido, porque nosso pilar tem sido a agricultura tradicional, com poucos desembolsos para o sustentável”, afirma.

Antônio Luiz Machado de Moraes, coordenador-geral de crédito rural do Departamento de Financiamento e Informação da Secretaria de Política Agrícola, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, reconhece que há falhas na divulgação do programa, mas garante que está melhorando a comunicação dessas linhas de crédito. 

“O volume monetário aumentou 6% de um ano para o outro, e o montante utilizado saltou dez pontos percentuais”, afirma.

Para a safra 2019-2020, está previsto um total de R$ 2 bilhões para o Plano ABC —menos do que o ano anterior. 

“A redução é realista, considerando a distância entre contratações e liberações. Dessa forma, vamos evitar que haja maior sobra de verba. Não é desejável que um recurso seja subtilizado”, afirma Moraes. Segundo ele, existe possibilidade de remanejamento de fundos caso haja uma demanda maior.

O representante do ministério explica que o Plano ABC tem taxas de juros de 7,25% para o agronegócio de um modo geral. A taxa para a agricultura sustentável é de 5,25%. O limite máximo de empréstimo é de R$ 5 milhões, que podem ser pagos em até 12 anos, com carência de até oito anos em algumas situações, como no caso de monitoração e implantação de florestas.

Além do Plano ABC, agricultores que querem produzir de modo sustentável contam também com recursos do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que tem três linhas de crédito: Agroecologia, Eco e Floresta.

Outra opção é o Moderagro, que financia investimentos necessários ao tratamento de dejetos relacionados a atividades de criação animal e apoia a recuperação dos solos.

“Há ainda fundos constitucionais que liberam recursos para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste”, diz Moraes.

Para André Bueno, sócio da área de aconselhamento financeiro da consultoria Deloitte, a tendência é que haja aumento de recursos para projetos sustentáveis, inclusive em bancos particulares.

“Há cinco anos, só os bancos públicos tinham linhas de crédito voltadas para o agronegócio. Agora, os privados começam a ter diretorias exclusivas para a agricultura”, diz. 

Além das linhas ligadas ao BNDES, o Santander, por exemplo, conta com o CDC Agro Socioambiental, que financia a compra de equipamentos para eficiência energética, tratamento de resíduos e acessibilidade, e o CDC Agro Solar, que parcela a compra de equipamentos para geração de energia renovável em propriedades rurais.

De acordo com o professor e pesquisador da FGV Agro Eduardo Assad, de 2010 para cá 13 milhões de hectares adotaram a agricultura de baixa de emissão de carbono no país. Para se ter uma ideia, há 170 milhões de hectares de pastos no Brasil e 80 milhões de hectares usados pela agricultura tradicional, incluindo frutas e grãos. 

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