Falta de liderança política e cortes de verbas afetam inovação no Brasil

Redução dos investimentos públicos em ciência e tecnologia é tiro no pé, diz especialista

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São Paulo

​Além dos altos custos e da burocracia que atrapalham a inovação em empresas e universidades no Brasil, políticas públicas para o setor sofrem com contingenciamentos e cortes de recursos e com a falta de lideranças políticas que tratem a inovação como prioridade do país.

“O Brasil construiu um sistema nacional de inovação, com entidades, agências, universidades, empresas —e no plano tem um dinamismo muito grande. Falha quando vai implementar. Não adianta ter uma agência super avançada e moderna, se há corte de recursos. Nós estamos vivendo uma espécie de apagão”, afirmou Glauco Arbix, professor titular de sociologia da USP, em debate da terceira edição do seminário Inovação no Brasil, realizado pela Folha nesta quarta-feira (28) em São Paulo.

O evento contou com o apoio do Governo do Estado do Ceará, da Secretaria de Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo e do Instituto Coca-Cola Brasil.

Ricardo Kahn (esq.), professor da Fundação Vanzolini, Glauco Arbix, professor titular de sociologia da USP, e Érica Fraga, repórter especial da Folha, em debate da terceira edição do seminário Inovação no Brasil - Keiny Andrade/Folhapress

Arbix defendeu que a cooperação entre organizações públicas e privadas é essencial para unir esforços para a inovação no país. Ele considera, no entanto, que o Brasil sofre hoje com falta de liderança política para sustentar investimentos nessas atividades. 

“Muitas autoridades, ao invés de agregar, separam. As universidades são essenciais para fazer inovação no mundo inteiro e, aqui no Brasil, estão sendo expostas, humilhadas, pisadas, com verbas cortadas”, disse. Em sua visão, esse contexto amplia as dificuldades em qualificar a mão de obra e aumentar a produtividade da economia brasileira.

Ricardo Kahn, professor da Fundação Vanzolini, destacou que é preciso que a força de trabalho brasileira tenha mais familiaridade com o universo do empreendedorismo e da inovação. Ele considera que algumas competências do cotidiano de empresas inovadoras, como a apresentação oral de ideias, são menos disseminadas que em outros países, citando os EUA como exemplo.

Por outro lado, ele afirmou notar uma mudança de atitude em estudantes de graduação e recém-graduados, que tratam a fundação de startups como aspiração de forma mais frequente que há dez anos. “O Brasil é um ambiente difícil para qualquer tipo de negócio, mas tem uma capacidade empreendedora muito grande aqui. A gente vê o talento surgindo de todos os lados”, disse. 

Arbix concordou que está em andamento uma mudança de mentalidade sobre o empreendedorismo no país, e disse que atualmente há 113 cursos sobre o tema na USP.

Para o sociólogo, no entanto, a economia brasileira permanece hostil à inovação, e o custo de inovar é alto, incentivando startups a mudar suas sedes para o exterior por dificuldades de sobrevivência.

Em sua interpretação, a redução do financiamento público para inovação é um tiro no pé, que distancia o Brasil da fronteira tecnológica internacional. “O Brasil precisa dizer para onde quer ir. Do ponto de vista de inovação, ciência e tecnologia, nós estamos à deriva hoje. Do jeito que estamos, vamos ser só usuários de tecnologia que outros países produzem.”

A consequência de não realizar pesquisa e desenvolvimento no país é, segundo ele, condenar o Brasil a usar tecnologias de segunda ou terceira classe importadas, bem como arcar com os custos de adaptação da produção brasileira a essas tecnologias.

Questionado sobre a importância de investimentos do Estado no setor, Kahn disse que há outras formas de promover a inovação, como fundos privados que financiam startups em estágios iniciais, mas concordou que, para que a inovação seja realizada por empresas de todos os portes, financiamento público e estratégias de inovação são importantes.

Em um balanço dos entraves à inovação no país, Arbix disse ser otimista, já que a economia brasileira é muito dinâmica e tem capacidade de recuperação, e afirmou que obstáculos podem ser superados. 

“Eu não estou desanimado. Muitos problemas têm solução, mas sem liderança política que diga 'Brasil, nós temos que inovar', o país não vai inovar e não anda. Em nenhum lugar do mundo funciona. Nós vamos pagar um preço, e vamos pagar um preço muito alto”, acrescentou.

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