Oncologia de precisão mapeia genes para encontrar terapias mais efetivas

Enfoque fortalece ataque ao câncer com drogas que combatem anomalias celulares específicas

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Thereza Venturoli
São Paulo

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), um a cada cinco homens e uma a cada seis mulheres desenvolvem câncer em algum momento. O número de casos só cresce —em 2018, foram registradas 18,1 milhões de novas ocorrências.  ​

Ao mesmo tempo, com a oncologia de precisão, a patologia, a genética, a biologia molecular e a farmacêutica ganham novas armas para combater a doença.

A médica Cecilia Haddad mostra montagem de agulhas com sementes de iodo para tratamento de próstata no Hospital Sirio-Libanês, em São Paulo
A médica Cecilia Haddad mostra montagem de agulhas com sementes de iodo para tratamento de próstata no Hospital Sirio-Libanês, em São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

O câncer é um conjunto de dezenas de doenças caracterizadas por células que se dividem descontroladamente. 

Há algumas décadas a ciência sabe que há uma causa em comum: genes defeituosos produzem proteínas adulteradas, que fazem com que as células cresçam em exagero. 

A questão é que nem todo tumor se desenvolve pelos mesmos defeitos. Um nódulo na mama, por exemplo, pode ser causado por alterações em mais de 20 genes, e um mesmo gene pode causar ocorrências em diferentes tecidos.

Alterações no BRAC2, comuns em câncer de mama hereditário, manifestam-se em tumores de próstata, ovário, pâncreas e melanomas. A chave para o controle está, então, na identificação dos genes defeituosos e no controle da ação das proteínas que levam ao desequilíbrio. 

A oncologia de precisão faz exatamente isso: identifica genes alterados e similaridades genéticas em diferentes tipos de câncer assim como processos moleculares danosos desencadeados pelas proteínas.
Com isso, traçam-se estratégias terapêuticas mais efetivas. “A patologia molecular compreende cada vez melhor os fenômenos que levam um tecido normal a se transformar em tumor”, diz Katia Ramos Leite, professora da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo). 

“Isso nos leva a desenvolver novos métodos de prevenção, diagnóstico, tratamento e monitoramento da doença. Ou seja, o câncer é abordado hoje sob um enfoque totalmente diferente daquele de poucas décadas atrás, e com avanços cada vez mais rápidos.”

O mapeamento genético é a fundação sobre a qual se apoia a oncologia de precisão. 

Na prevenção ao câncer hereditário, localiza biomarcadores moleculares e confirma ou descarta em uma pessoa sadia os genes responsáveis pela doença desenvolvida por seus familiares. Isso permite a avaliação do risco de surgir um tumor do mesmo tipo e, se for o caso, a adoção de medidas preventivas. 

No diagnóstico da doença não hereditária, sequenciamentos mais amplos realizados no tecido tumoral ou por biópsia no sangue podem reconhecer genes potenciais causadores de um tumor.

Conhecido o inimigo, fica mais fácil enfrentá-lo. A oncologia de precisão tem fortalecido o arsenal de ataque ao câncer com drogas que conseguem inibir anomalias genéticas específicas. 

Algumas dessas drogas atuam no interior da célula cancerosa, interrompendo ou reduzindo a atividade de proteínas com defeito de fabricação que transmitem sinais de fora para dentro dela. 

É o caso das drogas-alvo para alterações no gene ALK, responsável por um tipo de câncer de pulmão.

“Estudos mostram que 75% dos pacientes que recebem inibidores dessa proteína têm a sobrevida estendida de um ano para pelo menos cinco”, diz Fernando Santini, oncologista clínico do hospital Sírio-Libanês.

Há medicações com ações diferentes. Uma célula cancerosa tem na superfície proteínas que enganam as defesas do corpo e, como um escudo invisível, a protegem contra as barreiras naturais do organismo. Os monoclonais são anticorpos alterados em laboratório para reconhecer uma proteína anômala e convocar o sistema imunológico a agir. 

É o que fazem os inibidores de checkpoints. Eles interferem na interação entre proteínas da membrana celular e as células de defesa. 

A descoberta desse mecanismo de interação dos correceptores imunes, nos anos 1990, rendeu ao americano James P. Allison e ao japonês Tasuku Honjo o prêmio Nobel de Medicina em 2018.

A oncologia de precisão tem muito campo a conquistar. “Ainda não conhecemos os biomarcadores moleculares de todos os tumores, portanto, nem para todos temos uma terapia-alvo definida”, diz Rodrigo Guindalini, oncogeneticista da Rede D’Or São Luiz e pesquisador da Faculdade de Medicina da USP. 

“Mas já existem drogas agnósticas, que atuam sobre genes e proteínas comuns a tumores de diferentes tecidos ou órgãos.”

É o caso do inibidor larotrectinibe, para alterações nos genes NTRK. Estudos mostram que o medicamento tem eficácia de mais de 80%, com respostas duradouras em 17 tipos de tumores. 

A palavra “precisão” nesse enfoque da oncologia não significa que exista um tratamento sob medida para cada paciente. Essas terapias-alvo miram grupos de pessoas que apresentam os mesmos biomarcadores moleculares e aberrações genéticas. 

Isso por ora: já rendem resultados pesquisas de terapias projetadas para responder à fisiologia de cada um.

Um exemplo é a transferência de células adotivas. Nessa terapia, células de defesa do paciente são reprogramadas em laboratório para reagir ao tumor de acordo com suas características e da interação de moléculas doentes e sadias.

Replicadas, as células adotivas são devolvidas à corrente sanguínea do paciente, como um novo exército. 
Santini diz não estar longe o dia em que deixaremos de falar em tipo de tumor para falar em características moleculares. Então, terapias convencionais, como químio e radioterapia, farão parte do passado.

O glossário dos avanços no tratamento do câncer

Alteração genética  Modificação de um gene, que leva ao crescimento anormal das células

Anticorpos monoclonais  Anticorpos alterados em laboratório para reconhecer um antígeno específico, uma proteína anômala, e convocar o sistema imunológico para abater a célula doente

Biomarcadores  Fatores e processos biológicos que acusam a existência de uma doença, indicam sua gravidade ou a probabilidade de desenvolvê-la

Biópsia  Retirada de fragmentos de órgão ou tecido para análise da estrutura celular, em busca de alterações

Biópsia líquida  Análise de células que circulam no sangue, em busca de tumores ou fragmentos de DNA com genes adulterados

Câncer hereditário  Tumores causados por alterações genéticas transmitidas de pai para filho

Células adotivas  Células T (glóbulos brancos) retiradas do paciente, reprogramadas para driblar o sistema de defesa das partículas tumorais e transferidas para o organismo 

Inibidores  Substâncias que se ligam a determinadas proteínas, interferindo em sua função 

Mapeamento genético  Análise dos genes, na molécula de DNA. É fundamental para o diagnóstico, o monitoramento de tumores e a avaliação da reação do paciente a uma terapia

Medicina personalizada  Procedimentos e medicamentos desenhados de acordo com as características genéticas do paciente. A personalização é para um grupo de pessoas que apresentam as mesmas alterações genéticas e proteínas adulteradas

Oncologia de precisão  Nova forma de encarar o câncer, com base na identificação de genes defeituosos e compreensão dos processos por eles desencadeados na produção de proteínas que levam ao crescimento anormal das células. Desenvolve tratamentos que miram alterações específicas, as chamadas terapias-alvo

Painel genético  Análise ampla do DNA, para rastreamento de genes causadores do câncer. O exame é utilizado principalmente em pessoas sadias, na prevenção de câncer hereditário

Terapia-alvo  Tratamento com drogas que têm como foco moléculas das proteínas geradas por genes defeituosos 

Tratamento agnóstico  Terapia que utiliza drogas que agem sobre proteínas anômalas geradas por genes que podem se manifestar em qualquer tecido ou órgão

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