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Colégio público de Manaus esquece disciplina militar e dá voz a alunos

Instituição melhorou resultados em provas e fez projetos para incluir imigrantes

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Manaus

Após perder quase 60% dos seus alunos e correr o risco de fechar as portas, a Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Waldir Garcia, em Manaus, decidiu trocar o modelo de ensino, inspirado no sistema militar, por um projeto baseado na educação integral e na escola democrática. 

Localizada em uma comunidade pobre, a escola fica em meio a um igarapé poluído, com esgoto a céu aberto e um canteiro de obras imenso, instalado após a remoção de um emaranhado de palafitas.

Hoje, o Waldir Garcia é referência no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e é um um dos 21 colégios a integrar a Rede de Escolas Transformadoras.

O caminho foi longo. Em 2007, 29% dos alunos da escola reprovaram ou abandonaram os estudos. Em 2009, o Waldir Garcia obteve índice de 3,5 no Ideb —o máximo é 10— e um quinto dos estudantes reprovou ou abandonou as aulas. 

Nos anos seguintes a escola, que tinha 623 matriculados em 2007, seguiu perdendo estudantes até chegar a 238 alunos em 2015. 

A partir de 2013, o colégio começou a receber um fluxo de estrangeiros: primeiro haitianos e, mais recentemente, venezuelanos, filhos de imigrantes e refugiados que chegavam a Manaus.

“Estávamos com várias salas fechadas, tínhamos poucos alunos, muitos estrangeiros, e índices de abandono e reprovação altos. A escola estava quase fechando”, lembra a diretora Lúcia Santos, 53.

A mudança começou em 2016. E os resultados vieram rápido. Em 2017, ano do último Ideb, o colégio obteve índice 7,4, acima da média das instituições públicas municipais de Manaus (5,8) e da média nacional para as escolas públicas de anos iniciais (5,5). No mesmo ano, nenhum dos 203 estudantes reprovou ou abandonou a escola. 

“Novos alunos estão chegando, até mesmo de bairros mais distantes, em busca da metodologia que usamos aqui”, diz a diretora.

Hoje, há 206 estudantes, 35 deles estrangeiros (16%). A maioria dos imigrantes chegou à instituição sem saber falar nada de português.

Inspirada na Escola da Ponte, de Portugal, a metodologia adotada pelo Waldir Garcia é baseada em uma educação participativa, que estimula a autonomia dos estudantes. Eles podem opinar sobre o que gostariam de aprender e participam da elaboração de seus programas de estudo.

A autonomia vai desde ter liberdade para transitar nos corredores e servir o próprio prato na hora da refeição até a avaliação, que não é feita por meio de provas, mas por comissões, formadas por alunos, professores e “tutores” —que podem ser qualquer membro da comunidade escolar. 

No histórico escolar, a nota dada pela comissão serve para todas as disciplinas. “É uma formalidade, apenas para que eles possam continuar os estudos”, diz Lúcia.

Novos espaços foram criados, entre eles uma horta e um local para as assembleias semanais, onde os alunos são livres para falar de qualquer assunto. Nas salas de aula, as carteiras individuais foram substituídas por mesas coletivas e, na entrada da escola, um mural fica disponível para quem quiser propor uma ideia, qualquer uma.  

“O projeto mudou toda a escola. Trouxe a educação integral, deu autonomia aos estudantes e aproximou a família”, afirma a professora Maria Inês Castro Leal, 56, que trabalha no local desde sua fundação, em 1986.

Antes, os pais iam à escola só para pegar o boletim. “Hoje é comum você ver um pai eletricista trocando uma lâmpada, um agrônomo cuidando da horta da escola e até mesmo dentro da sala de aula, como monitores voluntários, quando os professores estão em formação. Nas reuniões mensais com os pais, a presença passou de 20% para 80%”, diz a diretora.

As famílias dos alunos estrangeiros passaram a participar de feiras e eventos abertos para mostrar a cultura do país de origem.

Dessa relação surgiu, a partir de uma iniciativa dos próprios pais, a oficina de francês e crioulo (língua falada no Haiti), que é ministrada por um pai de aluno, haitiano, todas as quintas, gratuitamente. Enquanto os professores aprendem crioulo, as crianças fazem aula de francês.

A Ufam (Universidade Federal do Amazonas) cede estagiários do curso de letras/espanhol para ministrar aulas —o espanhol foi incluído no currículo, que já tinha inglês. 

“A escola é bem diferente, aqui não tem prova e temos atividade o dia todo”, diz a  venezuelana Valentina Rodrigues, 8, aluna do 3º ano.

Ela conta que a adaptação ao país novo foi bem difícil,  mas que as atividades e a metodologia participativa do colégio ajudaram. 

Em um turno, os alunos têm atividades em sala e, no contraturno, participam de oficinas de dança, teatro, música, leitura, informática, iniciação científica, horta e esportes.

João Sávio Silva, 10, aluno do 5º ano, gosta das oficinas de esporte, da iniciação científica e das assembleias semanais.

“Aprendemos a nos expressar. Os professores escutam a gente, a gente escuta os colegas. E aprendemos que, conversando, podemos mudar coisas que não gostamos na escola. E fora dela também.”

A haitiana Skermine Wechina Ogiris, 12, aluna do 4º ano, chegou a Manaus com a família em 2016 e não conseguiu se adaptar à primeira escola, antes do Waldir Garcia.

“Não conseguia me comunicar. Só depois que mudei para esta escola aprendi a ler e escrever”, diz. Hoje, ela faz parte de um grupo de alunos “devoradores” de livros —ela leu 17 neste ano.

Agora que já sabe ler, a preocupação de Skermine é que, quando chegar ao sexto ano, vai ter que trocar de escola. O Waldir Garcia oferece até o quinto ano do fundamental. 

Bianca da Silva, 10, que está no 4º ano, espera que até o ano que vem o colégio passe a ofertar turmas do 6º ao 9º ano. 

Ela, que estuda no local desde o 1º ano e mora na comunidade, conta que sua rotina mudou depois do projeto ser implantado na escola. 

“Antes eu estudava só meio período e passava o resto do dia dentro de casa, porque meus pais têm medo que a gente brinque na rua. Prefiro ficar aqui, pelo menos tenho várias atividades e amigos”, afirma Bianca.

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