Mulheres eleitas para cargos parlamentares ou do Executivo podem fazer gestões disruptivas, não importa se são de esquerda ou de direita, desde que tenham consciência de gênero e comprometimento com a redução de desigualdades.
A análise foi consenso em debate realizado pela Folha na terça-feira (21), em parceria como Instituto Update, no qual foi lançado o estudo “Eleitas: Mulheres na Política”.
Para Raquel Lyra (PSDB-PE), primeira mulher eleita prefeita do município de Caruaru, no agreste pernambucano, o diferencial dos mandatos femininos está na subversão de métodos arraigados na política convencional. O investimentono território e na integralidade dos serviços públicos são marcas da gestão feminina, diz.
“Olhar para o detalhe e, ao mesmo tempo, conseguir enxergar o todo é uma capacidade diferenciada que a gente tem. Isso muda profundamente a forma de fazer política e traz a possibilidade de soluções mais maduras”, afirma.
Lyra, que vem de uma família de políticos, conta que teve que enfrentar o machismo na eleição. “Engordei na campanha, disseram que eu estava grávida e que isso impediria um bom mandato.”
Para as debatedoras, é necessário que as candidaturas femininas sejam diversas. Em 2019, quase nove décadas após a conquista do sufrágio feminino no Brasil, houve aposse da primeira mulher indígena eleita, a deputada JoêniaWapichana (Rede-RR).
No mesmo ano, a letra T da sigla LGBTQI passou a ocupar as primeiras vagas em assembleias legislativas pelo país com três transexuais –Erica Malunguinho e Erika Hilton, ambas pelo PSOL-SP, e Robeyoncé Lima (PSOL-PE), que participou do webinário.
“O nosso corpo estar presentenesseslocais [de representação política] é um ato político por si só”, defende.
A inovação também foi ressaltada no debate como fundamental na participação política feminina. “Temos uma configuração parlamentar que não abre espaço para a gente nas condições normais de temperatura e pressão. Temos que arrumar outras estratégias”, diz Robeyoncé, que é advogada.
No caso dela, a solução encontrada foi a construção de um mandato coletivo, o “Juntas”, pelo qual foi eleita para a assembleia pernambucana ao lado de outras quatro mulheres em 2018.
Além de territorialidade, integralidade e criatividade, a deputada federal Áurea Carolina (PSOL-MG) acrescenta que o trabalho em redes é outra tendência no comportamento das parlamentares.
“A ideia é trabalhar o compartilhamento do poder. A gente não acredita no método personalista, mas no engajamento crítico e na inteligência que as pessoas podem trazer a partir de suas vivências”, explica.
Beatriz Pedreira, cofundadora do Instituto Update e coordenadora geral do estudo, pontua que a compreensão das possibilidades para a participação política feminina no Brasil ganha fôlego se pensada em conjunto com outros países latino-americanos.
“É preciso buscar entre os nossos pares as soluções e nos unirmos para os desafios tão comuns entre esses países. Temos a sensação de que, quando um país latino-americano avança nos direitos das mulheres, os outros avançam juntos”, descreve.
A realização do estudo “Eleitas: Mulheres na Política” foi possível graças a alianças locais com organizações de mulheres, mas também pelo apoio de organizações privadas, como a Fundação Tide Setubal.
A socióloga Maria Alice Setubal, do conselho da fundação, defende que é essencial que o investimento privado seja direcionado para a compreensãoe efetivação da participação feminina na política, “um apoio que fortalece uma democracia diversa, plural e com diferentes vozes”, diz.
Além do estudo, foi lançada uma série audiovisual de três episódios com entrevistas realizadas pela América Latina. O material, produzido pela Maria Farinha Filmes, o Instituto Update e o Quebrando o Tabu, com coprodução Spray Content, tem a participação da cantora Anitta. A íntegra pode ser acessada no YouTube do Quebrando o Tabu.
O vídeo do debate está disponível no YouTube da TV Folha.
O que dizem os internautas
Em Assis, temos uma mulher eleita, branca, doutorada em educação. Muitas mulheres que a admiravam antes do seu mandato agora jogam pedras ao menor deslize. Críticas vão existir, mas devem ser construtivas e para o avanço da ocupação deste espaço participativo para nós mulheres.
Joseli Maria Batista, 59, enfermeira, Assis, SP
Alguns países da América Latina possuem legislação que criminaliza a violência política de gênero, como México, Peru e Bolívia, mas aqui avançamos muito pouco nesta discussão.
Adriana Franco, 37, mestranda na USP, São Paulo, SP
Nesse momento em que estamos iniciando o processo eleitoral municipal, é de suma importância apoiarmos as candidaturas femininas e cobrar dos partidos que cumpram a cota de 30%.
Andréa Sophia, 54, advogada, Rio de Janeiro, RJ
O mundo clama por mais empatia, pelo cuidado com o outro e com o meio ambiente. Penso que a consciência feminina dos ciclos e processos permite grande capacidade de planejamento e uma visão mais integrada e sistêmica de mundo. Além disso há, em geral, menos apego ao poder pelo poder. Unidas por um mundo mais plural e inclusivo! Parabéns pela iniciativa e vamos em frente!
Andréia Chaieb, 48, psicóloga, Porto Alegre, RS
A fim de engrandecer o cenário feminino político é preciso estimular meninas de todas as realidades desde cedo, em idade escolar, mostrando que elas podem chegar lá. Só é possível sonhar a partir de exemplos. Se só estudamos homens que fizeram grandes coisas, como podemos pensar em ser uma mulher influente, em entrar para os livros de história? A mudança começa na base.
Stefanie Santos, 19, estudante de direito, Braga, Portugal
Boa iniciativa. Como mulheres indígenas podem construir uma campanha coletiva, mesmo sem entenderem muito do processo de candidatura? É importante ter indígenas ocupando o Legislativo em todas as esferas, pois assim quem sabe poderemos ser ouvidos e respeitados.
Eliane Xunakalo, 34, indígena do povo kurâ bakairi, assessora institucional da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso, Cuiabá, MT
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