Descrição de chapéu 7º Fórum A Saúde do Brasil

Queda no número de usuários de planos de saúde pode sobrecarregar o SUS, alertam especialistas

Setor precisa de complementaridade entre público e privado

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São Paulo

Entre março e julho, período de avanço acelerado do novo coronavírus no país, 327 mil brasileiros ficaram sem plano de saúde, de acordo com a ANS (Agência Nacional de Saúde). O número de beneficiários caiu de 47 milhões para 46,7 milhões.

A evasão de beneficiários não só afogou ainda mais o sistema público, que vivenciou os limites de sua capacidade, como acentuou a queda da receita de hospitais e seguradoras no setor privado. O cenário, entretanto, trouxe ensinamentos importantes para o futuro da saúde brasileira no pós-pandemia.

Para especialistas reunidos na sétima edição do fórum A Saúde do Brasil, realizado pela Folha nos dias 26 e 27 de agosto, a complementaridade entre público e privado é peça-chave na preparação do sistema para futuras crises e gestão da demanda reprimida que começa a retornar agora aos hospitais.

A saúde complementar ainda está muito relacionada com o emprego, apontou Vera Valente, diretora-executiva da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), ao explicar que a queda no número de beneficiários está relacionada à situação econômica no país, que aniquilou 8,9 milhões de postos de trabalho só no segundo trimestre do ano, segundo o IBGE.

Desde março, dados da Agência Nacional de Saúde mostram que 311 mil pessoas deixaram planos coletivos empresariais de assistência médica. De 31,7 milhões de beneficiários na categoria, o número caiu para 31,4 milhões.

A FenaSaúde reúne as maiores empresas do setor. Para abrir mais possibilidades, Valente vê a necessidade de discutir maior flexibilização e criação de modelos para atrair usuários. “Vai ter sempre uma parcela da população que vai depender somente do SUS, mas, se você consegue trazer uma parte [para o privado], você desafoga o sistema público”, completou.

Médico infectologista e ex-coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus do Estado de São Paulo, David Uip diz ser “absolutamente necessário” que a saúde pública e privada trabalhem em conjunto, não apenas em momentos de crise.


Veja vídeo do debate abaixo.


“Se o Brasil sustentou essa epidemia, deveu-se à integração do SUS, extremamente competente, e da medicina de convênios”, disse. “Em São Paulo, por exemplo, não sucumbimos, diferentemente de outras metrópoles como Nova York, porque temos um sistema que funciona bem.”

Com uma experiência de mais de 40 anos trabalhando no sistema público, Uip conhece de perto as limitações do sistema, como repasses insuficientes por parte do governo federal e o excesso de burocracia. “Posso dar um exemplo de eficiência que estamos vivendo agora na pandemia. O índice de mortalidade intrahospitalar, especialmente na UTI, está variando de 8% a 80%”, diz Uip.

A diferença, explica o médico, está entre um hospital ser bem estruturado, protocolado e ter profissionais treinados adequadamente e o outro, não. “Quando você tem essa eficiência, você tem todos os caminhos encurtados porque tem como agir da melhor forma e também cai o custo”, completa.

Na mesma linha, Gonzalo Vecina, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, acredita que o momento de fortalecer o SUS para fazer frente aos desafios do futuro é agora. Vecina criticou algumas posturas do atual governo, como a falta de um ministro à frente da pasta em um momento de pandemia, e a proposta do programa Renda Brasil, de Paulo Guedes (Economia), que inclui a extinção do programa Farmácia Popular.

Criado em 2004, o Farmácia Popular distribui medicamentos básicos com valores reduzidos em até 90% ou gratuitos, bancados pelo governo. O programa vem passando por cortes orçamentários e diminuição no número de clientes atendidos.

“Eu me preocupo com o que está por vir, quando o auxílio emergencial deixar de ser pago. As pessoas não terão emprego, e haverá uma crise econômica e social na qual o SUS será ainda mais afetado”, afirmou Fernando Torelly, superintendente corporativo do HCor, o Hospital do Coração, que atende o sistema público.

Especializado em tratar problemas cardíacos, o hospital entrou na linha de frente no combate à pandemia e hoje está com 90% de ocupação, diz Torelly.

Plano de saúde deve oferecer atendimento primário a clientes

Foi unânime, entre os convidados do seminário, a ideia de que é preciso reestruturar a assistência médica, prestando mais atenção à saúde primária. É preciso sair do que Vera Valente chama de “cultura hospitalocêntrica”, que enche pronto-socorros sem necessidade e aumenta os custos do sistema como um todo. “Nem tudo precisa ser resolvido no hospital”, afirma a diretora-executiva da FenaSaúde.

Torelly conta que, em abril, a redução no atendimento do pronto-socorro no Hcor foi de 62% quando comparado com o mesmo mês em 2019, mas as pessoas já estão perdendo o medo de ir aos hospitais. Agora, o volume está 22% abaixo em relação ao ano anterior.

“Está ocorrendo uma retomada, só que é um perfil diferente, de pacientes mais graves que realmente precisam e acho que a tendência vai permanecer”, avaliou.

O professor Vecina, que foi presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) entre 1999 e 2003, defende que a mudança não pode resultar apenas da iniciativa do paciente. “O sistema só se equilibrará se operadores passarem a oferecer porta de entrada da atenção primária, que hoje é o consultório privado e que nem sempre tem cobertura.”

Após críticas do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a ANS anunciou o adiamento de reajustes de planos de saúde por um período de 120 dias, a contar a partir de setembro. A suspensão dos reajustes de contratos de planos de saúde vale para todos os tipos de plano: individuais e familiar e coletivos (por adesão e empresariais).

A medida será válida para reajustes anuais e por mudança de faixa etária dos planos de assistência médica e odontológicos. A decisão da ANS não retroage, ou seja, quem já teve o aumento antes não se beneficia da mudança.

Maia afirmou que, se a ANS não revisasse a medida, a Câmara votaria um projeto de lei do Senado que proíbe reajustes dos convênios. A reação veio após a ANS liberar reajuste de 25,3% de um plano de saúde por adesão, o que Maia descreveu como um “desrespeito com a sociedade”.

Vera Valente diz que a mídia deu muita repercussão para um caso isolado, de uma carteira antiga com sinistralidade alta. Ela sublinha que tais medidas devem ser pensadas com cautela. “Na saúde suplementar algumas decisões miram o individual, o imediato, mas acabam prejudicando o coletivo.

Suspensão de reajustes e ampliação de cobertura comprometem a relação contratual e a rede de sustentabilidade do sistema, o que pode levar à expulsão de usuários e ao comprometimento financeiro do hospital”, disse.

No dia 29 de julho, a ANS também incluiu testes sorológicos que detectam a presença do vírus —pesquisa de anticorpos IgA, IgG ou IgM (com Diretriz de Utilização)—na lista de coberturas obrigatórias dos planos de saúde. A cobertura já está valendo.

A conversa foi mediada pela jornalista Mariana Versolato, editora de Ciência, Saúde, Ambiente e Equilíbrio. O fórum teve patrocínio da FenaSaúde, da Rede D’Or e da seguradora SulAmérica.

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