Com pandemia, mamografias realizadas pelo SUS caem 45% nos primeiros sete meses do ano

Queda, registrada na faixa de 50 a 69 anos, se soma a quadro anterior de baixa cobertura de exames preventivos

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Gabriella Soares
Taboão da Serra

O número de mamografias realizadas pela rede pública de saúde caiu 45% em todo o Brasil de janeiro a julho deste ano, na comparação com o mesmo período de 2019.

A pesquisa da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) e da Rede Brasileira de Pesquisa em Câncer de Mama mapeou exames realizados por mulheres de 50 a 69 anos, faixa em que o rastreio de câncer de mama é recomendado pelo SUS.

A queda se soma a um quadro já de escassa cobertura. Em média, apenas 21,9% das mulheres nessa faixa realizam exames anuais de prevenção no país. A taxa mínima recomendada pela Organização Mundial da Saúde para garantir uma política de rastreio e diagnóstico precoce é de 70%.

O médico Ruffo Freitas Júnior, membro titular da SBM e um dos responsáveis pelo estudo, afirma que a pandemia é o grande motivo para a queda. Em março, os atendimentos caíram 76%.

Mesmo que acompanhamentos como o diagnóstico e a prevenção de câncer tenham sido considerados essenciais, muitos adiaram a ida ao médico.

Maira Caleffi, presidente da Fundação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) e chefe do serviço de mastologia do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, diz que o problema foi “deixar tudo para depois”. Mas, complementa, “ninguém sabia ou sabe ainda quando é o depois”.

Foi exatamente essa incerteza que fez com que Viviam Mota, de 40 anos, enfrentasse o medo do coronavírus para realizar seus exames periódicos no Hospital das Clínicas de Curitiba durante a pandemia.

A designer de interiores Vivam Mota, 40, descobriu câncer durante a gestação; Viviam, morena e sorridente, tem os cabelos lisos e castanhos na altura dos ombros e aparece enquadrada em close na tela de um laptop, pois a foto foi feita a distância, a partir da casa do fotógrafo
A designer de interiores Vivam Mota, 40, descobriu câncer durante a gestação - Gabriel Cabral/Folhapress

Viviam descobriu em 2018, em meio a sua gestação, que tinha câncer de mama em estágio dois. Após o parto, um tratamento agressivo e a mastectomia do seio direito, ela descobriu um novo nódulo. A biópsia indicou que a massa é benigna, porém ela precisa realizar exames a cada três meses.

“Tive medo. Mas é muito mais perigoso não fazer a mamografia. Confiei na máscara e no protocolo do hospital que frequento. Depois de tudo o que passei, tenho mais medo de ter um diagnóstico tardio”, conta ela.

A demora para diagnosticar o câncer de mama é uma das maiores preocupações dos especialistas da área. Esse tipo de tumor dobra de tamanho a cada três ou quatro meses e, em estágio avançado, requer um tratamento muito mais agressivo. Além disso, as opções terapêuticas se tornam limitadas e mais invasivas.

Caleffi diz já ver as consequências dessa espera em seu consultório. Pacientes que adiaram os exames mesmo que já sentissem tumores retornaram. “Prevemos um aumento significativo em descobertas tardias pelo baixo número de exames registrados até agora.”

Apesar da queda acentuada no número de mamografias, a Femama estima que o cenário é pior do que a pesquisa da SBM indica. Um dos principais motivos para isso seria o fato de que, no SUS, a realização de exames preventivos é restrita à faixa etária na qual o câncer de mama apresenta maior taxa de mortalidade.

O acesso a mamografias é dificultado para mulheres na faixa dos 40 anos, apesar de elas terem esse direito pela lei 11.664, de 2010.

Esse é o caso de Cristhiane Marton, de 44 anos, moradora de Rosana (748 km de São Paulo). Ela retirou três nódulos benignos da mama aos 18 anos e tem um longo histórico familiar, mas diz que todo ano “é uma briga” conseguir marcar o exame.

“Dizem que não estou na idade correta, como se eu não tivesse esse direito. Mas sempre luto para fazer, é necessário.”

Com histórico familiar de câncer, a confeiteira Cristhiane Marton, 44, teve mamografia atrasada durante pandemia; Cristhiane tem cabelos encaracolados pintados de ruivo, usa óculos e sorri com um fundo de plantas; ela está enquadrada em close por um laptop, pois a foto foi feita a distância a partir da casa do fotógrafo
Com histórico familiar de câncer, a confeiteira Cristhiane Marton, 44, teve mamografia atrasada durante pandemia - Gabriel Cabral/Folhapress

Neste ano, a mamografia dela seria em abril, na carreata do Hospital do Amor de Barretos que iria a sua cidade. Por causa da pandemia, todos os exames foram cancelados. Cristhiane conta que ficou tranquila pois o preventivo anterior não apontara anormalidade.

No entanto, no meio do ano, sua tia recebeu diagnóstico de câncer de colo do útero; então os médicos lhe pediram que fizesse a mamografia. Em agosto soube ter câncer de grau dois na mama esquerda e de grau quatro na direita.

O choque foi amenizado por procedimentos posteriores que apontavam para um possível erro de diagnóstico.

“Preciso fazer mais um ultrassom como contraprova, mas desde setembro estou angustiada. Eu devia ter feito a mamografia em abril, se precisasse tratar, já estaria tratando. Mas agora ao menos tenho esperanças de ter sido um engano.”

Ruffo Freitas Júnior, da SBM, considera que os piores problemas ainda estão por vir. “Para o SUS se recuperar da pandemia e realmente voltar a atender como antes leva tempo. Vamos ter uma fila muito maior para exames e cirurgias.”

O hospital no qual Maira Caleffi trabalha, o Moinhos de Vento, é ligado ao Ministério da Saúde e considerado referência para o tratamento de câncer de mama. Ela também prevê problemas para atender a demanda.

Além disso, há resistência ao procedimento de mamografia, que é desconfortável, mas é o único que consegue detectar o câncer em seus estágios iniciais.

É exatamente por isso que tanto Viviam quanto Cristhiane acreditam que o melhor é realizá-la. “Enquanto eu puder, vou fazer anualmente. Pode me salvar”, afirma Cristhiane. Viviam concorda: “Por mais desconfortável que seja, é muito mais difícil descobrir um câncer tardio”.

Esta reportagem foi produzida no âmbito do Programa de Treinamento em Jornalismo de Saúde, que conta com o patrocínio do Laboratório Roche e da Rede D’Or São Luiz​.

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