Descrição de chapéu Desafios da agricultura urbana

Produção local é capaz de abastecer São Paulo, afirmam debatedores

Modelo ideal é o agroecológico, que gere emprego, contenha a expansão urbana e fomente cooperativas

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São Paulo

Aquilo que é produzido mais perto do que se imagina pode ser peça-chave para garantir alimentos de qualidade para os moradores da metrópole paulista. Sobre essa hipótese se debruçaram pesquisadores do Instituto Escolhas e do Urbem em novo estudo sobre o tema.

Os resultados da pesquisa foram apresentados em seminário virtual realizado nesta terça-feira (24), em parceira com a Folha.

A conclusão confirma a suspeita inicial: é possível abastecer a maior metrópole da América Latina com produtos locais, resultado da agricultura urbana e da periurbana —aquela desenvolvida nos limites das áreas urbanizadas—, mas alguns desafios precisam ser superados.

“Existe um potencial esquecido, e mesmo marginalizado, da agricultura para gerar renda para a população das grandes capitais e para investir na produção sustentável”, diz Sergio Leitão, diretor-executivo do Instituto Escolhas.

Marcela Ferreira, pesquisadora do Urbem, explica que os principais desafios dos agricultores urbanos perpassam o alto custo para a transição orgânica (aquela sem o uso de agrotóxicos) e os baixos lucros, que se devem aos muitos intermediários até que a produção chegue ao varejo.

As saídas para impulsionar a produção dos mais de 5 mil estabelecimentos agropecuários hoje localizados na região metropolitana de São Paulo, afirma Ferreira, são garantir que o agricultor seja remunerado corretamente —o que pode ser feito na compra direto das cooperativas—, financiar a assistência técnica para transição orgânica, ampliar a concessão de áreas urbanas não ocupadas e incentivar o cooperativismo.

“A agricultura urbana e periurbana tem viabilidade econômica e pode ser praticada de forma sustentável”, diz.

Também é preciso um olhar atento para a agricultura familiar, ressaltam os debatedores. A modalidade corresponde a 65% dos empreendimentos agrícolas da metrópole.

Em um caso hipotético desenvolvido pelo estudo, no qual o plantio seria diversificado para espécies que demandam menos água e a comercialização se daria em organização coletiva, como as cooperativas, a agricultura urbana em uma área de 200 hectares demonstra potencial para fornecer legumes e verduras a 24 mil famílias e empregar mil trabalhadores.

Para superar os desafios, os palestrantes apontam a gestão pública como peça-chave. “O poder municipal é fundamental na reconexão entre o urbano e o rural”, diz Zilma Borges, professora da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

“É preciso pensar e investir em articulações que fortaleçam redes de agroecologia, agricultura familiar e camponesa”, diz a professora. Ela explica que esses setores já desenvolvem experiências importantes de produção orgânica, mas têm sido desvalorizados pelas gestões.

“Há ainda uma estrutura definida pela Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, mas são poucos os municípios que a implementam”, acrescenta.

O diretor do Urbem e ex-secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Fernando de Mello Franco, afirma que a gestão federal também tem papel importante no fomento à produção local.

“O Ministério do Desenvolvimento Regional está desenvolvendo a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, responsável por estabelecer orientações políticas e instrumentos para os poderes locais organizarem políticas territoriais e enfrentarem o quadro de mudanças climáticas”, explica.

O Ministério das Comunicações também é importante, diz Mello Franco, já que coordena nacionalmente o projeto CITinova. “É uma série de estratégias para fortalecer a capacidade dos governos locais de utilizarem novas tecnologias para acelerar a transição ecológica nos municípios.”

A gerente de Projetos do Instituto Escolhas, Jaqueline Ferreira, diz que um entrave é a tímida preocupação dos governos com a agricultura urbana. “De uns tempos para cá, temos visto o esvaziamento da discussão sobre segurança alimentar e o abastecimento das cidades”, pontua.

Episódios como a greve dos caminhoneiros em 2018, e mesmo os meses iniciais da pandemia demonstraram como as cidades estão sujeitas ao desabastecimento. Por outro lado, produções locais, em especial a dos pequenos produtores, se mostraram resilientes e também por isso devem ser valorizadas.

A agricultura urbana se mostra importante também para mitigar os impactos da acelerada urbanização —26% do solo da metrópole paulista hoje é de área urbanizada.

“Sabemos que a gente atravessa um profundo processo de reorganização espacial. As cidades vêm sofrendo alterações em função da transformação tecnológica. Isso muda o uso dos espaços urbanos, e também os paradigmas de produção”, diz Philip Yang, fundador do Urbem.

O representante adjunto da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) no Brasil, Gustavo Chianca, explica que os desafios identificados na metrópole paulista se assemelham aos de outras partes do mundo. “Antes contávamos as megalópoles, regiões com mais de 10 milhões de habitantes, na casa das dezenas. Hoje já são milhares pelo mundo.”

Chianca ressalta que as áreas urbanas emitem 70% do CO2 e consomem 70% do que se produz de alimento.


Assista ao debate:


A produção local pode pavimentar o caminho para diferentes Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (Organização das Nações Unidas), acrescenta Camila Jericó Daminello, gerente de Programas da organização filantrópica Porticus América Latina.

“Se, por um lado, temos a vulnerabilidade e a insegurança alimentar como grande dificuldade, por outro temos o alimento como instrumento chave para solucionar desafios como a erradicação da fome, o combate às alterações climáticas, a igualdade de gênero e o fomento a cidades e comunidades mais sustentáveis”, afirma.

A mediação do debate foi feita pelo jornalista Bruno Blecher, especializado em agronegócio.

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