Descrição de chapéu Vida cultural na pandemia

Nove artistas brasileiros falam sobre o futuro da cultura no país após a pandemia

Atores, cantora, estilista, artista multimídia e designer fazem reflexão a partir de suas experiências em 2020

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Ana Elisa Faria
São Paulo

Quando a pandemia passar, a cultura nacional vai saber usar a tecnologia de forma muito melhor do que antes, artistas independentes que brilharam nos meses de lives serão mais reconhecidos, o teatro vai encontrar novas formas de chegar ao público e o cinema vai perder ainda mais espaço para as plataformas de streaming.

Porém, não será possível assimilar tudo o que aconteceu durante a pandemia já em 2021, e o novo ano vai começar com mais incerteza sobre como fazer —e viver de— arte no Brasil.

Essas são algumas das projeções feitas por nove profissionais do setor cultural no país, convidados à refletir sobre o que os aguarda em 2021 e quando a pandemia ficar para trás. Veja os depoimentos abaixo.

*

Fábio Porchat

"Eu sinto que haverá uma busca ávida por consumo de cultura fora de casa. As pessoas estão com saudades de sair. Mas sinto que o filão que sai mais baleado dessa pandemia é o cinema. A Covid-19 foi o golpe final do qual os streamings estavam precisando.

Vai ser muito difícil agora tirar o público de casa para assistir a um filme ao qual ele vai poder ter acesso em um mês, por um ingresso mais barato, e podendo assistir quando e com quem quiser."

Fábio Porchat é ator, apresentador e humorista. Na quarentena, seguiu apresentando o "Papo de Segunda", do GNT, só do estúdio e com os outros integrantes participando via videoconferência. Após uma pausa, voltou a gravar episódios do programa "Que História é Essa, Porchat?", porém, sem plateia e com a interação com os convidados feita por vídeo.

Fernanda Torres

"A possibilidade do retorno a um trabalho normal como era, só depois das duas doses da vacina. Por enquanto, é possível gravar algo, seja para a TV ou para o cinema, mas com uma equipe reduzida, por pouco tempo e com testagem constante, além de isolamento total. O teatro é impossível.

Do ponto de vista do conteúdo, a sensação que eu tenho é que as pessoas estão cansadas do assunto Covid; ninguém aguenta mais a vida sendo definida pela pandemia, como se a gente tivesse perdido todos os outros sentimentos.

Talvez, daqui a pouco, alguém comece a dar conta disso e descubra qual é o sentimento do mundo hoje. A gente ainda está muito entre lá e cá. Tudo o que imagino é de um mundo anterior à pandemia, ao mesmo tempo em que estranho aquele mundo. Quando vejo um filme e as pessoas estão na rua, se abraçando, há um estranhamento. A gente também já não é igual. Na literatura, quando sento para escrever uma história, eu tenho dificuldade, é como se o meu sentimento fosse sempre de surpresa, de pasmo, como se eu ainda não tivesse aterrissado em lugar nenhum."

Fernanda Torres é atriz, escritora e roteirista. Nos meses de quarentena, seguiu escrevendo a coluna que mantém nesta Folha e, isolada com a família na região serrana do Rio de Janeiro, protagonizou, ao lado da mãe, Fernanda Montenegro, um episódio da série "Amor e Sorte", da Globo, que contou com a direção artística do marido de Fernandinha, Andrucha Waddington. O trio repetiu a parceria e gravou um especial de Natal com mãe e filha reprisando os papéis de Gilda e Lúcia.

Gustavo Piqueira

"Não são necessários grandes dons para notar que a Covid-19 não é o único mal que vem atingindo a cultura brasileira. Além do evidente desinteresse do poder público por políticas culturais, temos sofrido os efeitos colaterais das transformações econômicas/tecnológicas que o mundo vem assistindo.

Somos, assim, um corpo não apenas intubado, mas também multifraturado. Se é claro que haverá a tal "retomada das atividades culturais" no pós-pandemia, ela não trará o calcificante necessário para espantar nossa apatia e trazer de volta o desejo de engatarmos alguma ambição coletiva na compreensão de quem somos de fato, de quem queremos e podemos ser. Item que pode soar vago, mas que sempre foi ingrediente fundamental dos momentos mais luminosos daquilo que admiramos como cultura brasileira."

Gustavo Piqueira é autor de mais de 30 livros nos quais mistura livremente texto, imagem, materialidade, ficção e não ficção. À frente de sua Casa Rex, é um dos designers gráficos mais reconhecidos do país, com mais de 500 prêmios.

Julia Lemmertz

"Estamos sob o efeito de uma pandemia que se arrasta por um tempo que parece não ver, ainda, uma pós-pandemia no fim do túnel. O que temos para hoje é o que está contado, cada um se virou como deu, como soube, como pôde, e muita coisa boa veio. O teatro não vai morrer, mas está em pausa do jeito que a gente o conhecia e o vivia. Ou talvez ele já estivesse em transformação e, agora, nos libertamos, de certa forma; perdemos o pudor de fazer teatro de outro jeito, gravado, em casa, sem plateia.

Muitos se aventuraram nisso, e o que parecia terrível ficou divertido, livre, intenso, verdadeiro. É uma forma de dizer que estamos vivos! Vamos seguir fazendo do jeito que der, porque a arte só precisa de desejo, necessidade, vontade."

Julia Lemmertz é atriz. No isolamento social, apresentou o espetáculo "Simples Assim", dirigido por Ernesto Piccolo. Adaptada para o formato virtual, a peça foi gravada com cada ator em sua casa e exibida gratuitamente pelo YouTube.

Lais Myrrha

"Levará um tempo maior do que o ano de 2021 para que artistas, pesquisadores, instituições, público e colecionadores assimilem a situação que estamos vivendo. Só a partir disso poderemos ver algo novo se esboçar. Provavelmente, uma tarefa para a próxima década será compreendermos que o tempo da arte, assim como o da ciência, o da pesquisa e o da educação, é lento, principalmente em comparação ao tempo do consumo ou o das eleições. No entanto, não devemos nos esquecer que suas respostas trazem transformações e benefícios muito mais duradouros para a vida em sociedade."

Lais Myrrha é artista multimídia, foi uma das criadoras do projeto Quarantine, cooperativa de artistas para incentivar a produção e a venda de obras de arte durante o isolamento social. O dinheiro arrecadado com as vendas é distribuído de forma igualitária entre os participantes da iniciativa. Saiba mais em 55sp.art/quarantine.

Lázaro Ramos

"Não acho que o começo de 2021 vai se transformar magicamente. Os profissionais da cultura ainda vão vivenciar mais um tempo precário, de instabilidade e dúvidas. E, ainda, de tentativa de encontrar novos suportes e maneiras de fazer para permanecer e resistir enquanto não consegue se aglomerar novamente.

A maior parte das expressões artísticas tem essa necessidade de juntar pessoas em um só lugar. A aglomeração é um dos adjetivos do nosso ofício, e é o que traz um alerta para pensarmos a cultura que queremos e a importância que as expressões culturais têm para o Brasil. Falo de todas as expressões, não importa a região ou a fama do artista. Espero que no segundo semestre, nós, produtores de arte, estejamos alimentados de muitas ideias. Uma explosão de ideias e produções pode nascer alimentada por essa pausa. É o que eu sonho."

Lázaro Ramos é ator e diretor. Protagonizou, na quarentena, episódio da série "Amor e Sorte", da Globo, gravado em casa ao lado da mulher, Taís Araújo. Dirigiu também o especial global "Falas Negras", exibido no Dia da Consciência Negra.

Mika Lins

"Nessa situação pandêmica, nós, artistas, ficamos desamparados profissionalmente e economicamente.

Os profissionais da área cultural foram os primeiros a perder o trabalho e, portanto, a fonte de renda. Mas, contraditoriamente, a cultura foi muito consumida. As pessoas viam lives musicais, peças virtuais... nunca precisaram tanto de nós para ficarem em casa.

Entendemos, com isso, que é preciso lutar por algum tipo de legislação que nos proteja nesses momentos. O que fica de positivo desta pandemia são os aprendizados, a solidariedade e as quebras de preconceitos com a tecnologia.

A mudança que está acontecendo no teatro é imensa, chegamos a pessoas e a lugares que não imaginávamos. Situações extremas geram reflexões, que deverão ecoar por bastante tempo ainda na cultura, principalmente nas formas de se fazer teatro e cinema.

Mas, infelizmente, além dos problemas relativos a essa pandemia, que já são horríveis, vivemos uma crise moral por termos na presidência da República uma pessoa que abomina a cultura, o que é gravíssimo."

Mika Lins é atriz e diretora de teatro. Nos últimos meses, ajudou a filha com uma produção de bolos caseiros por encomenda e dirigiu o monólogo "Pós-F - Para Além do Masculino e Feminino", inspirado no livro de Fernanda Young (1970-2019) e protagonizado por Maria Ribeiro. A peça foi transmitida do Teatro Porto Seguro, sem plateia, pela internet, e somou 7.000 espectadores em oito apresentações.

Ronaldo Fraga

"Tudo o que se fazia anteriormente à pandemia ficou velho. Alguns suportes, como plataformas de exibição online, vão continuar porque, se há uma coisa boa, é que essas ferramentas ajudaram a encurtar distâncias.

Agora, enquanto conceito, penso que as pessoas vão procurar manifestações culturais que estejam olhando para o diverso, falando em inclusão, meio ambiente, tirando os invisíveis da sombra. Pode parecer difícil falar disso aqui no Brasil, nesse momento, mas é algo que tem a ver com a evolução humana, e não há governo que segure isso. Sobre a moda, para que sobreviva, é preciso haver uma libertação da roupa. A moda precisa alimentar aquilo que dá sustentação ao corpo, que é a cultura. O negócio agora é vestir outros sentidos."

Ronaldo Fraga é estilista. Participou da primeira edição 100% online do São Paulo Fashion Week e entrou para a moda das lives no instagram com o programa matinal "Café com o Ex-tilista".

Teresa Cristina

"Quando a pandemia acabar, esse pesadelo passar e a gente voltar à vida normal, os artistas com carreiras já cristalizadas vão retomar os shows e voltarão à sua rotina, mas vejo uma esperança para os artistas que a gente gosta de chamar de alternativos, aqueles profissionais que não são vistos por gravadoras e grandes corporações.

O artista independente ganhou um novo rumo a partir da rede social. Claro, existe uma luta para ganhar seguidores e monetizar o trabalho, mas, de alguma forma, o lidar com a rede social mudou de verdade.

Assim como eu, que nunca tinha feito live na vida, passei a fazer todo dia, muitos entenderam a importância da rede social."

Teresa Cristina é cantora. Rainha das lives despretensiosas no Instagram, a carioca já apresentou 250 pocket shows na pandemia. Já passaram pelas suas famosas lives convidados como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Daniela Mercury, Ana Cañas e Céu.

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