Descrição de chapéu Doenças Raras 2021

Aumento de custo pode inviabilizar teste do pezinho

Texto que amplia exames foi desfigurado com a anexação de outros 30 projetos, afirma relatora

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Etel Frota
Curitiba

O bolsonarista Daniel Silveira atirou no STF, mas a bala perdida acabou acertando alvos inesperados, entre eles a esperada ampliação do teste do pezinho. Na crise gerada pela prisão do deputado do PSL-RJ, foi postergada a pauta que previa votar na semana passada, em regime de urgência, o PL 5043/2020, de autoria do deputado Dagoberto Nogueira (PDT-MS).

O otimismo quanto à sua provável aprovação já havia sido anteriormente abalroado. “A Mesa Diretora da Câmara decidiu apensar [anexar] para votação conjunta outros 30 projetos de lei”, conta a relatora, Marina Santos Batista Dias (Solidariedade-PI). Destes, 16 têm relação direta com o tema; os demais, embora estejam relacionados à saúde do recém-nascido, tratam de exames que nada têm a ver com a triagem neonatal do SUS.

Para a deputada, que também é médica, a inclusão de exames cujo pedido é feito caso a caso pelo médico, a partir de avaliação clínica, desfigura o caráter do teste obrigatório em todos os nascidos e deve inviabilizar a aprovação do projeto devido ao aumento exponencial dos custos.

“Uma dessas proposições, por exemplo, trata da tomografia computadorizada por emissão de pósitrons (PET Scan), que custa em média de R$ 3.500 a R$ 4.000”, afirma a deputada federal. Com a retomada dos trabalhos legislativos nesta semana, aguardam-se os desdobramentos.

Desde 2014 vêm tramitando, sem sucesso, inúmeros projetos que tratam do teste do pezinho ampliado. A dificuldade começa já no conceito de “ampliado” e aumenta com a complexidade do assunto.

A versão do teste disponível na rede pública detecta até seis doenças de causa genética, enquanto a versão expandida encontrada nas redes particulares faz o diagnóstico de “mais de 100” condições.

“É inócuo propor uma inclusão maciça. Propor 50 testes, que ninguém sequer sabe exatamente quais são, é a mesma coisa que não fazer nada”, afirma o pediatra Salmo Raskin, presidente do departamento científico de genética da Sociedade Brasileira de Pediatria. Para Raskin, a melhor lógica para propostas de incorporação é a do escalonamento, como tem ocorrido até agora.

O Programa Nacional de Triagem Neonatal foi implantado em 2001 através de portaria do Ministério da Saúde. A incorporação das seis doenças foi feita aos poucos. A fase 1 (fenilcetonúria e hipotireoidismo) começou em 2001. Depois foram gradualmente introduzidas as fases 2 (doença falciforme), 3 (fibrose cística) e 4 (deficiência de biotinidase e hiperplasia adrenal).

“A ampliação de fases se deu estado por estado, priorizando aqueles que demonstrassem competência na aplicação das fases anteriores”, relata Raskin, que elaborou a estratégia para a fenilcetonúria.

A incidência da doença é um importante critério para a incorporação, mas não é o único. Raskin considera que o atendimento deve ser preparado para ir além do mero diagnóstico. “Não é ético nem humano comunicar a uma família que seu bebê é portador de doença grave e responder com um ‘se vira’ ao inevitável ‘e agora?’ que vem a seguir.”

A importância da avaliação neonatal é consenso indiscutível, a questão é decidir quantas e quais doenças um sistema público de saúde deve incluir. O NHS britânico oferece testes para nove doenças, quatro das quais coincidem com as da triagem brasileira.

No Canadá, cada cidade define seu protocolo. Ontário, por exemplo, oferece 22 testes para erros inatos do metabolismo, mais seis para doenças não metabólicas. Um deles, para problemas cardíacos graves, chama a atenção pela simplicidade: consiste em uma simples medição com oxímetro, na beira do leito.

Nos EUA, na ausência de um sistema público de saúde, um comitê formado por especialistas do governo e entidades representativas recomenda a adoção de 60 testes, dividindo-os entre “altamente recomendáveis” (34) e “opcionais” (26). Há variação entre os estados, que definem cada qual o seu protocolo, geralmente cobrando uma taxa pela realização, muitas vezes custeada pelos planos privados de saúde.

No Brasil, o assunto é tema de um grupo multidisciplinar não oficial que reúne as sociedades de pediatria e de triagem neonatal, membros de ONGs e instituições interessadas. O grupo pretende apresentar um plano escalonado para os próximos dez anos.

Em paralelo, o Instituto Vidas Raras mantém online a campanha Pezinho no Futuro, que conta, até o momento, com pouco mais de 600 mil adesões, bem abaixo do número necessário. A lei brasileira permite que a sociedade civil apresente projeto de lei à Câmara dos Deputados, desde que subscrito por ao menos 1% do total dos eleitores brasileiros (147,9 milhões no último censo do TSE).

Em 2019, 78% dos 2,2 milhões de bebês nascidos tiveram seus pezinhos puncionados durante o primeiro mês de vida. A partir de gotas de sangue seco transportadas em papel-filtro —a mesma técnica simples utilizada desde os anos 1960— 3.200 deles receberam o diagnóstico precoce de alguma das seis doenças.

O Ministério da Saúde comemorou a cobertura da triagem, mas ela não é uniforme para todas as regiões do país. Há lugares que executam o rastreamento de forma insuficiente, enquanto outros já aprovaram leis ampliando a testagem, caso da capital paulista (50 doenças), do Distrito Federal (30), da Paraíba (10) e de Minas Gerais (número ainda indefinido).

Na maioria das vezes, o teste e o encaminhamento imediato representam para essas crianças a diferença entre uma vida praticamente normal e um quadro irreversível de retardo mental e motor, quando não a morte prematura.

Estudos de farmacoeconomia apontam ainda expressiva redução de custos públicos quando se comparam os gastos com testagem e intervenção precoce com aqueles decorrentes de hospitalizações, reabilitação, previdência etc.

Na totalidade dos casos, um resultado positivo pode propiciar aconselhamento genético aos pais sobre as possibilidades de gerarem outros filhos com a mesma doença. Essa orientação, no entanto, nem sempre acontece.

Os diagnósticos não podem esperar o aparecimento dos primeiros sintomas, quando já haverá danos irreversíveis.

Em algumas doenças, a criança nasce com um só gene defeituoso, que determina a produção alterada de uma substância necessária para a quebra e absorção de um determinado nutriente da alimentação trivial.

À medida que o bebê ingere e não processa, essa substância vai se acumulando silenciosamente dentro do seu organismo, causando lesões definitivas.

São os chamados erros inatos do metabolismo, que podem demandar restrições alimentares muito precoces, até mesmo do próprio aleitamento materno.

O leque aumentado de testes está disponível em laboratórios da rede privada. Os exames são agrupados sob denominações genéricas. Em um dos centros de referência eles são oferecidos em sete pacotes, que vão do básico, 13 diagnósticos (R$ 52), ao completo, “mais de 100” diagnósticos (R$ 1.100), passando por categorias com nomes chamativos como ampliado, novo ampliado, plus, master e expandido.

A possibilidade de ampliar a triagem neonatal foi facilitada graças a uma técnica de análise chamada espectrometria de massas. O custo dos equipamentos necessários está entre US$ 100 mil e US$ 200 mil (entre R$ 547 mil e R$ 1,94 mi), na estimativa de Giuseppe Palmisano, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.

De acordo com o cientista, uma vez instaladas as máquinas e treinados os técnicos, o custo de insumos e outros materiais seria de pouco mais de US$ 1 por exame, em se tratando de volumes grandes de amostras.

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