Combate ao desperdício de alimento é chave para avanço da sustentabilidade

Saída para perda de alimentos exige ações de produtores, governos e consumidores

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São Paulo

Um dos obstáculos ao avanço da sustentabilidade no mundo é a perda de alimentos, que ocorre do campo até a casa do consumidor.

Em 2020, a produção brasileira que foi obtida em 696 mil hectares de cultivo, considerando só soja e milho, não chegou ao destino. Perderam-se 2,9 milhões de toneladas nas ações de logística das fazendas para armazéns e portos e em transbordos. O volume representa 1,22% de toda a produção de soja e milho do país no período.

Os dados foram consolidados para a Folha por Thiago Guilherme Péra, coordenador do grupo Esalq-Log, da USP.

Essas perdas, diz o pesquisador, ocorrem no momento em que a sociedade está preocupada com segurança alimentar e uso eficiente dos recursos, em busca de uma economia sustentável.

As perdas não se restringem ao volume físico. A área de 696 mil hectares, cuja produção correspondente foi perdida, consumiu 275 mil toneladas de fertilizantes. O diesel gasto nas operações jogou 95 mil toneladas de dióxido de carbono na atmosfera. Algo como 4 bilhões de metros cúbicos de água foram desperdiçados.

As perdas econômicas com o que não chegou ao mercado foram de R$ 4,5 bilhões (R$ 3,2 bilhões só com a soja).

Péra aponta, ainda, que a sociedade deixou de oferecer 194 gigacalorias, 12 mil toneladas de proteínas e 24 mil toneladas de carboidratos.

Celso Moretti, presidente da Embrapa, diz que são necessárias pesquisas para uma redução maior da perda e do desperdício alimentar. A perda ocorre do campo ao varejo; o desperdício é causado pelo varejo e por consumidores.

A redução do problema permite menor consumo de água e queda na emissão de gás de efeito estufa. Além disso, eleva a oferta de comida, reduz preços e insere no mercado boa parcela de menor renda, diz o presidente da Embrapa.

Perda e desperdício são perversos, considerada a oferta de comida no mundo. Anualmente, 1,3 bilhão de toneladas de alimentos não são aproveitadas. É um terço da produção global, conforme dados da FAO (órgão da ONU para alimentação e agricultura).

Em uma sociedade que demanda cada vez mais recursos para produção de alimentos, é imprescindível minimizar as perdas, segundo Péra.

Se nos países menos ricos o problema se concentra na produção, nos desenvolvidos, o consumo responde pela fatia maior de desperdício.

Dados da FAO apontam que as perdas de alimentos na produção atingem 14% nos países em desenvolvimento, e 10% em desenvolvidos.

Quando se trata de consumo, o desperdício nos países em desenvolvimento é de 7%, bem abaixo dos 28% registrados nos desenvolvidos.

Europa e EUA desperdiçam 240 quilos de alimentos por pessoa todo ano. No sudeste asiático, são 120 quilos.

A perda menor na colheita e pós-colheita, em países ricos, se deve a tecnologias de produção e de transporte mais avançadas, diz Moretti.

Com relação ao desperdício do consumo nos países desenvolvidos, Péra destaca menor pressão do custo de alimentos no orçamento.

O setor de frutas é dos mais sensíveis. As perdas chegam a 22% da produção, diz a FAO.

Luiz Roberto Barcelos, presidente da Comissão Nacional de Fruticultura da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), afirma que as perdas são grandes, mas difíceis de medir no país, devido à extensão territorial, à diversidade de frutas e ao volume da produção informal.

Melhorias passam por mudanças que vão da produção ao comportamento de produtores, consumidores e agentes públicos, diz Barcelos.

O produtor necessita de máquinas equilibradas e infraestrutura mais eficiente de armazenagem e transporte. O consumidor precisa olhar mais para a qualidade da fruta do que para sua aparência.

No caso do serviço público, é necessário melhorar estradas e centros de abastecimento, que estão ultrapassados, sucateados e não contêm câmaras frias. Para Barcelos, esses investimentos se pagam.

Katherine de Matos, diretora de ciência e tecnologia do GFI Brasil (The Good Food Institute), destaca também a importância de reaproveitamento de resíduos.“É preciso ver de outra perspectiva os produtos resultantes do processamento industrial. É possível uma agregação de nutrientes por meio de resíduos”.

Convém olhar ainda para produtos que não se enquadram em determinada classificação, mas têm qualidade, como o feijão quebrado.

Gustavo Guadagnini, diretor-executivo do GFI, alerta para soluções que parecem sustentáveis, mas não o são. Para preservar a fruta de batidas, usam-se plásticos e isopor em embalagens cuja pegada ambiental é pior que a da perda do alimento. ’’Não há resposta simples. É preciso analisar as diversas cadeias”.

Dirceu Ferreira Júnior, líder de inovação agrícola da Bayer, afirma que as empresas pararam de olhar apenas para dentro e estão desenhando projetos de colaboração contra perdas e desperdícios.

Esses acordos são modelados com produtores e entidades como Embrapa, Ital (Instituto de Tecnologia de Alimentos) e IICA (Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura).”É um caminho de soluções mais abrangentes”, diz ele.

Analistas entendem que, apesar das dificuldades, a perda e o desperdício de alimentos podem ser reduzidos. Armazenagens adequadas para grãos, carnes e hortifrútis são pontos prioritários.

O consumidor deve ser inserido nessa busca pela redução, assim como o setor público, que é responsável pela melhoria da infraestrutura e da logística do país.

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