Novo ensino médio possibilita avanço da formação técnica

Debate elenca oportunidades para subir nível da modalidade no país

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Philippe Scerb
São Paulo

A reforma do ensino médio, aprovada em 2017 e em fase de implementação pelas redes estaduais, tem tudo para mudar o patamar da educação profissional no Brasil.

Hoje, só 11% dos jovens finalizam a educação básica na modalidade técnica. A média entre os membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é 42%. O índice chega a 72% em países conhecidos pela qualidade de sua educação, como a Finlândia.

Essa foi uma das conclusões de seminário sobre o tema realizado pela Folha, em parceria com o Itaú Educação e Trabalho, em 14 de junho.

De acordo com a lei 13.415, alunos do novo ensino médio vão escolher um itinerário de formação, ministrado em conjunto com disciplinas gerais previstas pela Base Nacional Comum Curricular.

Como um dos caminhos será o técnico profissional, esse tipo de ensino deixará de ser oferecido só por redes especializadas, como o Centro Paula Souza, em São Paulo, e deverá chegar a todas as escolas. A expansão da oferta contará ainda com um estímulo orçamentário por parte do novo Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica), aprovado em dezembro.

Agora, existe a possibilidade de dupla matrícula, por meio da qual estudantes que cursam o ensino médio e o ensino técnico podem computar duas matrículas no sistema, o que aumenta a distribuição dos recursos para os estados.

“Isso cria um mecanismo de sustentabilidade da educação profissional, pois permite que os estados tenham no próprio Fundeb uma estratégia de financiamento”, explica José Henrique Paim, ex-ministro da Educação e diretor do Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais da FGV.

Segundo o presidente do Consed (conselho que reúne os secretários de educação do país) e secretário do Espírito Santo, Vitor de Angelo, o país está diante de um importante rearranjo institucional que possibilita, mas não leva necessariamente, a ampliação do número de estudantes formados pelo ensino técnico.

“Essa é uma oportunidade institucional, mas o futuro do ensino profissional depende das condições e das decisões que tomaremos daqui para frente.”

Não falta interesse por parte dos jovens. O subsecretário de Educação Profissional de São Paulo, Daniel Barros, cita pesquisa realizada pelo governo do estado mostrando que mais da metade (53%) dos jovens escolheriam essa trilha formativa.

Para Aléssio Trindade, professor do Instituto Federal da Paraíba e ex-secretário nacional de Educação Profissional e Tecnológica, o interesse do jovem pelo ensino profissional é enorme porque, por meio dele, o estudante pode perceber a conexão entre a escola e a vida real.

Trindade conta ter visto diversas experiências exitosas nesse sentido em escolas de turno integral da Paraíba. Cita um clube juvenil de fotografia que partiu da afinidade dos alunos, tornou-se um instrumento de profissionalização e culminou com a abertura de uma empresa.

“Quando a escola consegue dialogar com a vida, ela acha o seu caminho. E o ensino técnico contribui para isso há muitos anos no nosso país. Temos que incentivá-lo, inclusive, para fortalecer o vínculo do jovem com a escola.”


Veja, abaixo, o vídeo do debate


Rafael Lucchesi, diretor de educação e tecnologia da CNI (Confederação Nacional da Indústria) e diretor-geral do Senai, valoriza o fato de a reforma do ensino médio apontar para modelos de educação profissional apoiados na cooperação de diferentes agentes públicos e privados.

Segundo ele, experiências bem sucedidas ao redor do mundo dependeram da articulação entre as redes de educação e instituições fortemente vinculadas ao mundo do trabalho. “A agenda do novo ensino médio é muito promissora e, para que ela tenha sucesso, vamos precisar de todo mundo.”

Os debatedores também dizem que a educação profissional em nível médio não deve ser vista como incompatível com a continuidade da formação dos jovens. Eles defenderam maior integração entre os diferentes níveis de ensino.

Barros reconheceu que parte dos alunos das redes públicas profissionalizantes é, hoje, mais atraída pela alta qualidade de ensino oferecida do que propriamente pela vontade de seguir uma carreira em determinado setor. No entanto, rebateu a ideia de que esses alunos vão, em sua maioria, para o ensino superior. Segundo ele, em São Paulo, 80% dos egressos da educação profissional estão trabalhando dois anos depois da conclusão do curso.

Vitor de Angelo corroborou essa avaliação. Para o secretário, não há concorrência entre o ensino técnico e o superior e, em muitos casos, a realização do primeiro garante melhores condições para que o aluno ingresse e permaneça no segundo, já que boa parte dos estudantes tem que trabalhar durante o curso universitário, e o ensino médio profissional acaba servindo para que eles alcancem melhores cargos e salários.

Para o presidente do Consed, o ideal seria avançar no sentido de uma trajetória de formação técnica alinhada à formação superior subsequente.

Um dos caminhos possíveis é a adequação do Enem aos itinerários oferecidos ao longo do ensino médio. O outro passa pela articulação curricular entre o percurso técnico profissional e a formação superior. “A universidade deveria reconhecer e validar os conhecimentos adquiridos pelo estudante na educação básica.”

Alguns obstáculos à expansão do ensino profissionalizante podem ser contornados sem muito esforço. Quanto à infraestrutura das escolas, Barros afirmou que cursos na área de saúde demandam adaptações significativas.

Já cursos de tecnologia da informação e gestão de negócios —que respondem por 60% das matrículas do Centro Paula Souza — requerem simplesmente um laboratório de informática. Além disso, com a transição demográfica e a diminuição dos alunos de ensino médio nos últimos anos, salas de aula ociosas podem ceder espaço para laboratórios.

Quanto à imaginada resistência por parte das escolas à introdução do itinerário técnico, o que se tem visto, segundo ele, é uma receptividade grande. Professores e diretores “têm percebido que quando fazem cursos profissionalizantes, os alunos adquirem mais maturidade e interesse pelo conteúdo da formação geral básica”.

Uma série de questões, como a formação de professores e a renovação do material didático, seguem em aberto e merecem um debate aprofundado. “Mas temos que reconhecer que a reforma do ensino médio colocou o tema da educação profissional, adormecido há muitos anos, sobre a mesa. Isso é o mais importante”, concluiu Vitor de Angelo.

A educação profissional é complementar à educação obrigatória, mas antes ficava a cargo do Sistema S, dos institutos federais e de algumas autarquias. O jovem tinha que se matricular no ensino médio e, paralelamente, buscar a educação profissional pública, que não está disponível para todos.

‘‘Agora, vai ser possível que o estado planeje a expansão da oferta’’, afirmou Ana Inoue, superintendente do Itaú Educação e Trabalho.

As novas possibilidades chegam em um momento em que a velha visão da educação profissional como algo voltado só a cidadãos de classes mais baixas e sem profissão perde espaço e sentido.

O seminário foi mediado pela jornalista Angela Pinho, repórter da editoria de Cotidiano da Folha.

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