Para Banco Central, redução de juros e tarifas não será imediata no open banking

Sistema terá efeito sentido a longo prazo, diz Roberto Campos Neto

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Brasília, São Paulo e Duque de Caxias (RJ)

O open banking, ou sistema financeiro aberto, abre um leque de oportunidades de inovação e pode mudar a forma como o cliente se relaciona com o seu banco, afirma o presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto. Mas a esperada redução em juros e tarifas não será instantânea.

“O open banking em si tem um efeito mais a longo prazo. Em outros países mais avançados no novo sistema há frustração porque o custo não caiu tão rápido, mas vemos novos modelos de negócio”, disse na abertura da segunda edição do seminário sobre open banking, realizada pela Folha na segunda-feira (28), com o patrocínio da Embratel.

Para o titular do BC, o open banking é um arcabouço muito grande e será difícil diferenciar o que causou o quê. “A gente já consegue ver uma descentralização, queda de spread e aumento de competição.”

A autoridade monetária ainda tenta prever como será a intermediação financeira do futuro. Uma das possibilidades, segundo Campos Neto, é a do cliente acessar seu banco por meio da rede social ou ocorrer a fusão de canais.

“Os dados produzidos são um ativo muito valioso, difícil de ser mensurado. Geram receita e não pagam imposto. Qual vai ser a intermediação financeira do futuro? As pessoas vão entrar no banco via mídia social? Vão virar um canal só?”

Para o presidente do BC, outra discussão importante é como monetizar os dados. “Grande parte do negócio é o quanto eu conheço meu cliente, porque posso oferecer produtos melhores, sob medida. Além disso, conheço o risco, posso apreçar melhor. Isso vai fazer com que os preços dos produtos caiam.”

Especialistas que participaram do seminário destacaram as novas oportunidades de negócios possíveis com a conexão entre fintechs, startups e instituições financeiras.

O compartilhamento de dados permite fazer melhores cálculos e projeções, diminuindo spread bancário e aumentando a eficiência, diz Carlos Kazuo Missao, diretor de soluções de inovação para clientes da GFT Brasil, empresa provedora de serviços de TI e de engenharia de software.


Veja o vídeo do debate


O compartilhamento de dados requer comunicação rápida, viabilizada pelas APIs, conjuntos de protocolos que permitem a conexão de um sistema com outro. “A grande maioria dos bancos já abriu suas APIs para seus desenvolvedores há muito tempo”, afirma Antonio João Filho, diretor-executivo da Embratel para mercado financeiro. Ele avalia que a pandemia acentuou o movimento dos bancos de levar seus clientes para o digital e vê o 5G como fator decisivo para acelerar este ecossistema.

Na primeira fase do open banking, implementada em fevereiro, foram compartilhados apenas dados das instituições sobre seus canais de atendimento e produtos e serviços mais comuns. É nesta segunda fase que os clientes poderão autorizar o compartilhamento de suas informações.

Na quarta, programada para dezembro, ocorrerá o compartilhamento total de dados considerando as demais operações, como câmbio, investimentos e previdência. A partir daí, o BC passa a chamar o modelo de open finance: quando entram os dados pessoais e a possibilidade de usar o ecossistema para prestar serviços.

“Uma pessoa poderá compartilhar seu histórico de apólices, mostrando seu bom desempenho, para conseguir um preço melhor quando adquirir um seguro”, diz Eduardo Fraga, diretor da Susep (Superintendência de Seguros Privados).

Essas possibilidades aconteceram numa mesma interface a que uma seguradora não teria acesso numa velocidade tão rápida, diz Leandro Pupe Nóbrega, líder de operações na América Latina da Belvo, empresa espanhola que ajuda empreendedores de fintechs a interpretar dados sobre as finanças dos clientes.
O primeiro painel foi mediado pelo colunista da Folha Vinicius Torres Freire.

Maior acesso à informação pode gerar confiança

Bia Santos, 25, começou a se dedicar à área de mercado financeiro aos 16, no ensino médio, quando dois de seus professores a incentivaram a fazer um projeto de educação financeira. Na época, nada sabia de finanças nem como gerir o dinheiro que ganhava. Hoje, é diretora-executiva da empresa de soluções financeiras Barkus.

Debatedora da segunda mesa do seminário, Bia ressaltou a necessidade de educar o consumidor para que ele saiba o que está usando.

Com ela concordou Maxnaun Gutierrez, diretor da área de pessoa física do C6 Bank, mencionando a desconfiança revelada em pesquisa da fintech com 2.000 pessoas das classes A, B e C com acesso à internet e de todas as regiões do país.

Segundo o levantamento, 43% dos brasileiros não querem compartilhar seus dados com instituições financeiras, mesmo em troca de benefícios em tarifas e taxas de juros. Quanto maior a faixa etária, maior a desconfiança: no grupo acima dos 55 anos, 51% se disseram contra. Outros 24% não sabiam se queriam ou não.

O estrato de menor renda é o que menos rejeita o compartilhamento: 37% dos entrevistados das regiões Norte/Centro-Oeste confiam no sistema, frente à 31% no Sudeste.

Bia Santos afirma que parte do problema está na falta de conhecimento das instituições financeiras sobre as necessidades da população. Para ela, a parcela dos desbancarizados é um claro exemplo dessa negligência.

Segundo pesquisa do Instituto Locomotiva, 10% da população brasileira não tem conta bancária. A maioria dos desbancarizados mora no interior, é mulher de 18 a 29 anos, pertence às classes D e E e tem baixa escolarização.

Na pandemia, as empresas do mercado financeiro transferiram serviços para o meio digital e investiram nas redes sociais e em influenciadores, mas, para os palestrantes, isso não significa que o acesso à informação foi democratizado.

“A gente tem que trabalhar para transformar o pensamento da população como um todo, mostrar que precisamos olhar para nossas finanças e aprender como usar os serviços”, diz Bia Santos.
Para Thiago Alvarez, diretor do Guia Bolso, é importante frisar que os dados só serão compartilhados com o consentimento do cliente e que as instituições que farão parte desse sistema foram selecionadas pelo Banco Central.

Além disso, ele ressalta que o sigilo bancário e a existência da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que disciplina a forma como as informações do consumidor devem ser tratadas, são fundamentais para criar essa confiança do cidadão.

Bia acredita na necessidade de o mercado avaliar os abusos do mercado financeiro e, a partir daí, mudar a forma como os serviços são oferecidos. Isso, somado à informação sobre o open banking, poderia gerar mais confiança, diz. A segunda mesa foi mediada por Isabela Bolzani, repórter de Mercado da Folha.

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