Experiências online durante pandemia criam público novo para a cultura

Contato virtual com expressões artísticas cresce, muda hábitos e amplia interesses, sugere pesquisa

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São Paulo

As restrições de ano e meio de epidemia levaram atividades culturais para telas e apresentações online, como era razoável esperar. Tal experiência, no entanto, pode ter consequências duradouras, com a criação de um público novo ou maior para teatro, dança, música e aulas de arte em meios ditos virtuais.

É o que indicam os dados da segunda rodada da pesquisa Hábitos Culturais na pandemia, realizada em maio e junho pelo Itaú Cultural e pelo Datafolha. Foram entrevistadas pessoas de 16 a 65 anos em todo o Brasil.

‘O Homem Sem um Nome’, de Ricardo Gali, contemplado pelo Programa de Ação Cultural do estado de São Paulo em 2019 e adaptado como videodança
‘O Homem Sem um Nome’, de Ricardo Gali, contemplado pelo Programa de Ação Cultural do estado de São Paulo em 2019 e adaptado como videodança - Reprodução/Companhia Perversos Polimorfos no youtube

A parcela de pessoas que fazia alguma atividade cultural online aumentou durante a epidemia. Foi uma experiência nova para muitos entrevistados e de relevância maior em suas vidas durante os meses de restrições, distanciamento ou mesmo isolamento social.

A julgar pela intenção declarada dos entrevistados, deve continuar mais importante do que antes dos tempos em que não havia as limitações causadas pela epidemia.

O percentual de pessoas que via apresentações de teatro, dança e música online passou de 9% antes da epidemia para 40%. No entretenimento e espetáculos infantis, foi de 8% para 23%. No caso de atividades oferecidas por centros culturais, de 4% para 15%; aulas e oficinas de arte, de 7% para 21%; seminários, de 8% para 24%.

Poderia ser apenas o caso de uma opção inevitável, é claro, dado o fechamento de casas de espetáculos e outros locais de ajuntamento de pessoas, como em grande parte do setor de serviços. Mas cerca de 80% dos entrevistados declaram que pretendem manter os novos hábitos no caso de espetáculos, entretenimento infantil, aulas de arte, seminários e centros culturais, por exemplo.

Consideradas a frequência dessas atividades online durante a epidemia e a intenção declarada de manter essa nova maneira de acesso à cultura, o público virtual será muito maior do que era até 2019.

O desejo de continuar com os hábitos adquiridos nos tempos de maior isolamento social é, com mais frequência, maior no interior do que nas regiões metropolitanas e capitais, assim como entre as pessoas que passaram menos anos na escola.

Trata-se de um indício que certo tipo de hábito cultural atingiu brasileiros que não tinham acesso a casas de espetáculos, exposições ou atividades artísticas como aulas e oficinais. A epidemia literalmente abriu uma janela —ou tela— de oportunidades, apesar dos danos graves que causou ao setor de cultura e entretenimento, um dos mais, ou o mais afetado pelas medidas sanitárias.

A pesquisa tem outros indicadores que sugerem mudança mais persistente. Perguntou-se quais teriam sido os efeitos em geral das atividades online sobre a vida dos entrevistados.

Entre as alternativas apresentadas, a frase com as quais os entrevistados mais concordaram (em 72% dos casos) foi: “A disponibilização de conteúdo online durante a pandemia permitiu que tivesse acesso a atividades culturais que, de outra forma eu não teria”. A seguir, a afirmação que recebeu mais aprovação foi: “Seu interesse por atividades culturais online aumentou” (57%).

A relevância do efeito cultural fica evidente quando comparada ao grau de concordância com outras afirmações sobre o impacto de atividades online: melhorou seu relacionamento com as outras pessoas da casa (55%); diminuiu a sensação de tristeza (51%); diminuiu a sensação de solidão (49%); diminuiu estresse e ansiedade (48%); melhorou a qualidade de vida (44%).

Para muita gente, a cultura online não chegou a substituir as práticas culturais online e presencial, somadas, de antes da epidemia. Isto é, antes do início das restrições devidas à Covid-19, havia mais pessoas dedicadas a espetáculos ou a outras atividades de cultura, formação ou informação. O aumento ocorreu, claro, apenas no caso online.

Ainda assim, a experiência foi uma novidade de impacto amplo, que tende a persistir mesmo depois que as limitações causadas pela chegada do vírus desapareçam.

Os entrevistados dizem de fato sentir falta tanto de entretenimento quanto do contato pessoal, dadas as restrições da epidemia, ainda mais no segundo ano de limitações provocadas pela disseminação da doença.

Com o fechamento das atividades culturais, se sentiu mais falta de entretenimento e diversão (para 42% em 2021 e para 38% na pesquisa de 2020); de interação entre pessoas (para 41% em 2021, 20% em 2020); encontrar amigos (24% e 8%). Ainda assim, a preferência declarada pelo online em um futuro pós-pandemia é forte.

Defrontadas com a alternativa presencial/online, 32% dos entrevistados preferirão o ambiente virtual para música, shows, teatro, dança ou circo e espetáculos infantis; 31% para centros culturais e seminários; 35% para exposições e museus; 49% para um projeto artístico guiado.

Isto é, para pelo menos um terço dos brasileiros do universo da pesquisa, a opção pelo virtual é firme, se não definitiva. O motivo mais apontado da preferência (25% dos casos) foi a comodidade e a flexibilidade de horários. Em segundo lugar (13%), a razão é a segurança (física ou sanitária).

Além desses motivos, o hábito já arraigado das telas pode ser uma explicação para o nível alto de preferência por atividades culturais virtuais.

Dos entrevistados, 44% dizem ver “vídeo sob demanda” todos os dias da semana (no caso de 51%, são 5 dias ou mais); 56% dizem ver esses vídeos por 3 horas ou mais por dia; 82%, por 2 horas ou mais por dia. Mais da metade (51%) não usa a TV para ver esses vídeos (recorre, em vez disso, a celular, notebook ou computador de mesa).

A pesquisa também aponta a possibilidade de mais mudança. “Atividades culturais” é o aspecto da vida com o qual os entrevistados estão menos satisfeitos, entre as opções apresentadas no questionário da pesquisa: 45% dizem estar “muito satisfeitos” ou “satisfeitos”.

No caso de moradia, um problema nacional notório, o grau de satisfação vai a 84%. Quanto à saúde mental, pressionada por distanciamentos e lutos, 72% dos entrevistados dizem estar “satisfeitos” ou “muito satisfeitos”; quanto “à vida como um todo”, 74%.

A discrepância em relação à cultura é notável, mais marcada entre os mais ricos, escolarizados e entre mulheres. A insatisfação relativamente alta pode ser um campo aberto para novas ofertas de atividades.

72%...
...dos entrevistados concordam que a oferta de conteúdo online na pandemia permitiu a eles acesso a atividades culturais que, de outra forma, não teriam

9%...
...era o percentual de pessoas que via apresentações de teatro, dança e música online antes da pandemia, segundo a pesquisa sobre hábitos culturais

40%...
...é o percentual de brasileiros que afirmaram assistir apresentações artísticas online durante a pandemia

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