Advogados ganham projeção nas redes sociais com anti-juridiquês

Profissionais explicam conceitos do direito e buscam fazer análises técnicas

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São Paulo

Afinal, o que é prevaricação? E foro privilegiado? Recebi um pix indevido, e agora? A partir de dúvidas como essas, advogados estão se popularizando nas redes ao aproximar a população do mundo do direito, com uma linguagem que foge do juridiquês.

A criminalista Fayda Belo, 40, explica o que é ou não crime no TikTok, onde tem mais de 850 mil seguidores (@faydabelo). "Percebi que todo mundo tinha sede de ouvir sobre o direito, mas, com os termos rebuscados, ninguém entendia nada."

Patrícia é uma mulher branca com os cabelos claros, lisos e longos. Em pose para a foto, tem a mão esquerda no ouvido como se estivesse a fazer um esforço para ouvir algo.
No TikTok, a advogada Patrícia Ikuno, 36, traduz o "juridiquês" para a linguagem popular. Com mais de 1,6 milhão de seguidores ela responde dúvidas e comenta notícias sobre direitos trabalhistas - Divulgação

Os seus seguidores, apelidados por ela de "crime lovers", a chamam de Annalise Keating brasileira, em referência à protagonista da série "How to Get Away With Murder".

A ideia de explicar conceitos de direito criminal na internet veio com o distanciamento imposto pela pandemia. "Por que não usar meu conhecimento técnico de uma forma inclusiva e simples, que uma pessoa iletrada entende e que alguém com diploma também entenda?"

Para Sólon Cunha, professor da Escola de Direito da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a tentativa de aproximar o público dos temas jurídicos já era uma tendência, mas foi acelerada com a tecnologia.

"Nós [advogados] viemos de uma cultura muito rígida e estamos passando por novas gerações, que estão mudando isso", afirma.

Sólon compara o uso das mídias online para explicar conceitos jurídicos ao trabalho feito por médicos como Drauzio Varella, que explicam um tema técnico. Mas ressalva que "o número de seguidores não qualifica tecnicamente alguém, o objetivo é divulgar conteúdo, e é isso que vai atrair as pessoas".

Patrícia Ikuno, 36, advogada trabalhista, encontra nas redes ambiente propício para superar o estereótipo de que "o advogado é arrogante, inacessível e distante da sociedade". Com mais de 1,6 milhão de seguidores no TikTok (@vemfazerdireito), ela tira dúvidas sobre retorno ao trabalho presencial, direitos das mulheres e demissões por justa causa.

Para Patrícia, a digitalização também pode ser uma ferramenta importante para quem é recém-formado. "Um advogado em início de carreira provavelmente não tem clientes nem escritório, mas tem um celular e, com ele, a possibilidade de produzir conteúdo."

Quem também dedica a maior parte do tempo às redes é a advogada baiana Kessya Jackeline, 29.
Especialista em direito do consumidor, sua conta no Tiktok é acompanhada por mais de 730 mil pessoas (@afadinhadoconsumidor). Nos vídeos, ela reproduz situações cotidianas e cria personagens para tratar cada tema.

Com jeito descontraído, ela diz receber elogios de outros advogados e ter alcançado o público ao deixar de lado os jargões. "Quando coloco algum termo mais difícil, eles [os seguidores] reclamam."

A popularidade também ajuda a atrair clientes, diz a criminalista Fayda. "Hoje eu advogo no Brasil inteiro, e o alcance ajuda com isso." "Tenho uma equipe, mas, nas audiências, as pessoas pedem a doutora Fayda."

Pesquisa Datafolha de 2021 aponta que 59% dos advogados brasileiros são a favor do uso das plataformas digitais para conseguir novos clientes. Outros 44% querem aumentar a flexibilização das regras de publicidade na carreira.

Greice Fonseca Stocker, conselheira federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), afirma que a internet é uma grande vitrine, "mas ela, por si só, não é garantia de bons resultados".

O aumento do uso de ferramentas digitais, acelerado com a pandemia, levou a OAB a rever regras para advogados nas redes sociais.

Um provimento de julho de 2021 flexibilizou o marketing jurídico e liberou o uso de postagens impulsionadas, que antes eram proibidas por algumas seccionais. "O objetivo é incentivar a publicidade com cunho educacional", diz Stocker, que fez parte da comissão de revisão.

Alguns comportamentos seguem vetados, incluindo propaganda ostensiva dos serviços de advocacia, como em anúncios em rádio e TV e a oferta de consultoria online.

Para a conselheira, a possibilidade de transmitir informação jurídica é uma das funções sociais da profissão.

A opinião é compartilhada pelo criminalista e Augusto de Arruda Botelho, 44, que tem mais de 440 mil seguidores no Twitter (@augostodeAB).

Seu interesse pelas redes veio com a popularização de julgamentos de grande repercussão. A intenção é melhorar o debate e mostrar que o "direito não é uma ciência exata, mas as análises precisam de conhecimento técnico".


Seminário debateu O futuro do Direito; Assista:


Ele, que assume posição mais progressista, diz tentar separar seu posicionamento ideológico das análises. "É importante que a Justiça se discuta com menos polarização e com mais análise crítica."

Para quem descumpre as diretrizes da ordem, há previsão de punições como advertências e censuras.

Cunha, da FGV, ressalta a importância de ver a internet como um espaço público, por isso o profissional precisa ter cuidado e separar bem seu posicionamento pessoal e o profissional. Para quem está vinculado a um escritório o cuidado deve ser maior para não "atribuir à empresa uma posição que ela não tem".

Por que não usar meu conhecimento técnico de uma forma inclusiva e simples, que uma pessoa iletrada entende e que alguém com diploma também entenda?

Fayda Belo

Advogada criminalista e criadora de conteúdo

Com mais de 140 mil seguidores no Instagram (@thameadanelon), a procuradora Thaméa Danelon, 47, também usa as redes sociais para comentar notícias do Judiciário e temas como corrupção.

"Nas minhas publicações explico o que está vigorando conforme a lei, mas também dou a minha opinião" diz ela, que se assume conservadora.

A procuradora ainda comenta casos em que atuou, o que não é permitido para os advogados. Eles não podem falar sobre a própria conduta ou os próprios resultados em julgamento. "O advogado não pode prometer resultados para determinado tipo de ação", explica Stocker, da OAB.

Colaboraram Isabela Lobato e Thaís Magalhães Manhães

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