Quando o computador surgiu, poucos imaginavam aulas ou cursos inteiros online, com cada aluno acompanhando a exposição a partir de casa, como acontece hoje. O ceticismo em relação à difusão do metaverso como instrumento e plataforma de ensino é parecido.
Mas a redução dos custos e a percepção das vantagens que o metaverso traz deve popularizar sua utilização mais rápido do que imaginamos.
Essa é, ao menos, a opinião de pesquisadores que trabalham com esse universo no ambiente escolar, como Márcio Catapan, coordenador do curso de especialização de gestão em tecnologias 3D da UFPR (Universidade Federal do Paraná).
Catapan acompanha três projetos de realidade virtual e aumentada na universidade. Um é de criação de simuladores para o treinamento de cirurgias por videolaparoscopia no metaverso. Outro desenvolve metodologias de manutenção e melhorias contínuas de máquinas, a distância, por meio de escaneamento com aparelhos 3D.
O terceiro vem da dificuldade que professores de engenharia mecânica tiveram para dar aulas práticas online na pandamia. Foram então modelados todos os laboratórios de usinagem da universidade e hoje é possível fazer o treinamento dessas máquinas usando realidade virtual.
"Ele não substitui o curso presencial, mas atende a 80% das necessidades. Assim, o tempo no laboratório diminui e serve para compilar o conhecimento adquirido em realidade virtual. Também caem os riscos do contato inicial com equipamentos".
O professor reconhece que o custo da utilização do metaverso no ensino é alto, a começar pelos óculos de realidade virtual, que custam cerca de R$ 3.000. Mas ele relativiza.
"O valor dos óculos não paga passagem de ida e volta de Manaus a Curitiba, necessária para que um aluno de residência faça treinamento em simulador tradicional de videolaparoscopia, cujo valor é cerca de R$ 2 milhões e é escasso nas regiões Norte e Nordeste."
A tendência é que o valor da tecnologia que envolve o metaverso caia. Quando apareceram, os óculos de realidade virtual custavam até U$ 100 mil (R$ 533 mil) . Hoje, nos EUA, podem ser encontrados por U$ 300 (R$ 1.599).
Para Anna Carolina Queiroz, pesquisadora de pós-doutorado na Universidade de Stanford (EUA), as diferenças do metaverso em relação à experiência de cursos por videoconferência são consideráveis, especialmente no que diz respeito à imersão.
"É outro sentimento de presença. Quando estamos ali dentro da esfera digital, o cérebro processa como real aquilo que vimos e os estímulos que recebemos."
Queiroz dá o exemplo de uma experiência que faz em Stanford em que, na realidade virtual, um buraco é aberto no chão do laboratório e atravessado por uma tábua. As pessoas, com óculos, são convidadas a passar pela tábua. Um terço, porém, com medo, não o faz, mesmo sabendo que não há buraco real.
As pesquisas mostram, diz Queiroz, que o metaverso é uma excelente ferramenta de aprendizagem, especialmente para conceitos abstratos e de difícil visualização.
Como exemplo, ela cita o estudo que analisou o ensino sobre o desertificação dos oceanos para crianças do quinto ao oitavo ano, que não tinham fundamentos de química e física para compreendê-lo.
"Usamos um vídeo em 360º feito por pesquisadores que foram embaixo d’água para captar as imagens. Apresentamos esse vídeo em realidade virtual para crianças do ensino fundamental aqui nos EUA e comparamos com crianças que assistiram ao mesmo material, mas no computador."
A análise mostrou que ambos os grupos tiveram bons resultados em testes sobre o conteúdo. "Mas os alunos que assistiram ao vídeo em realidade virtual foram mais criativos nas respostas." Para ela, explorar visualmente o ambiente é o que faz a diferença.
Há vantagens, inclusive, em relação ao ensino tradicional. Ingrid Winkler é coordenadora da pós-gradução em gestão e tecnologia industrial do Senai Cimatec, em Salvador, onde alunos de engenharia mecânica e de produção trabalham com metaverso em algumas disciplinas.
Numa aula presencial de engenharia automotiva, por exemplo, conta ela, peças são projetadas e manipuladas em uma tela plana.
"Com a imersão da realidade virtual, trazemos a peça para a nossa frente. Eu consigo manipulá-la, olhar de baixo, por dentro, como quiser", afirma.
O uso da tecnologia nas escolas é acelerado pela sua incorporação nas empresas. Conforme o setor privado adota o metaverso em pesquisa e produção, as instituições precisam familiarizar alunos com a ferramenta, diz Ingrid.
Mestrando em gestão de tecnologia industrial pelo Senai Cimatec, Luiz Gutemberg Junior é entusiasta do metaverso no ensino superior. Ele destaca o potencial da tecnologia para a pesquisa e valoriza o efeito do uso dos óculos de realidade virtual.
"É incomparável com teleconferência. Na reunião online, você vê os outros. No metaverso, entra na reunião, é muito mais difícil de se distrair".
Queiroz alerta para a importância de saber quando usar a ferramenta. "Se a intenção é que o aluno memorize conteúdo, a aula online é suficiente. Mas, se o objetivo é promover engajamento e motivação, a imersão é bem-vinda."
Ela ainda reforça os cuidados no uso da tecnologia, pois a maneira como a experiência é desenvolvida pode surtir efeitos positivos ou negativos.
"Se a esfera digital tiver estímulos em todos os cantos, o aluno não vai saber para onde olhar e pode ficar mais distraído do que concentrado", diz.
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