Justiça climática pode acelerar reparação de danos a grupos vulneráveis

Responsabilização de agentes que degradam o meio ambiente é uma das formas de ação, defendem especialistas

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Campinas

A Justiça deve se adaptar à urgência das mudanças climáticas para reparar danos aos mais vulneráveis e assegurar os direitos humanos, defenderam especialistas durante seminário sobre o assunto realizado pela Folha na quinta-feira (1º).

A segunda edição do webinar foi patrocinada pela Ambipar e debateu "Justiça, reparação de danos e a vez do carbono nos tribunais". Para os convidados, o momento de gravidade enfrentado pelo planeta exige atenção especial e o sistema judiciário será cada vez mais influente em relação ao tema.

Destruição provocada pela chuva no bairro Chácara Flora, em Petrópolis
Bombeiro observa a destruição provocada pela chuva no bairro Chácara Flora, em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro, em fevereiro de 2022; as fortes chuvas deixaram mortos e desabrigados - Eduardo Anizelli/ Folhapress

Uma das formas de ação é por meio da litigância climática: a responsabilização de empresas e governos por emissões de carbono e danos causados ao meio ambiente —que, segundo a ONU, deve ser limpo, saudável e sustentável para todos, como direito fundamental.

Grupos vulnerabilizados pelas estruturas históricas, econômic as e sociais são os mais afetados pelas mudanças climáticas, segundo Gabriel Sampaio, coordenador de litígio estratégico da Conectas, ONG voltada a direitos humanos. É o caso de pessoas negras, pobres e povos indígenas.

"Temos uma marca na nossa sociedade que torna o debate da justiça climática ainda mais complexo. Fala-se inclusive sobre racismo climático. É um fenômeno analisado do ponto de vista global que tem uma peculiaridade no nosso país", afirma Sampaio.

No âmbito mundial, a lógica se aplica às nações: as menos desenvolvidas são as mais afetadas pela seca, desertificação e aumento da temperatura global. Por outro lado, países mais abastados, que se beneficiaram da exploração colonial de outros, possuem recursos para promover a redução dos impactos.

E/D: Diosmar Filho, pesquisador da Associação de Pesquisa Iyaleta, Gabriel Sampaio, coordenador de litígio estratégico da Conectas Direitos Humanos, e Lina Pimentel, advogada ambiental, participam da segunda mesa do seminário, mediados pela jornalista Ana Carolina Amaral
E/D: Diosmar Filho, pesquisador da Associação de Pesquisa Iyaleta, Gabriel Sampaio, coordenador de litígio estratégico da Conectas Direitos Humanos, e Lina Pimentel, advogada ambiental, participam da segunda mesa do seminário, mediados pela jornalista Ana Carolina Amaral - Marcelo Chello/Folhapress

Já internamente, em nível nacional, populações marginalizadas —como povos quilombolas, indígenas e moradores das periferias— são os mais expostos aos danos climáticos. Eventos como os deslizamentos de terras, as inundações e a degradação de territórios são exemplos de consequências das mudanças climáticas no cotidiano.

No caso do Brasil, a peculiaridade apontada por Sampaio diz respeito à necessidade do governo de lidar com "agendas civilizatórias elementares, em defesa da vida", além das pautas modernas, como a descarbonização.

Nesse sentido, o fundo de perdas e danos criado na COP27, a conferência do clima da ONU, faz sentido do ponto de vista jurídico, diz Lina Pimentel, advogada ambiental e sócia do escritório Mattos Filho. A iniciativa será voltada à compensação financeira de países vulneráveis.

"A gente percebeu que, historicamente, quem menos contribuiu para as emissões [de gases do efeito estufa] está sofrendo de forma significativa com as mudanças climáticas, a exemplo do Paquistão [que teve mais de mil mortes entre junho e setembro devido às enchentes causadas pelas chuvas]", diz.

Para ela, a emergência do clima deve ser assimilada pelos países de forma conjunta imediatamente. A maneira mais eficaz seria antevendo problemas e combinando recursos para combater as desigualdades de forma sustentável.



A advogada defende que a variável climática deve ser uma integrante ética de sua profissão e que a litigância permite uma ação do sistema Judiciário antes mesmo da aprovação de leis.

"O tempo não permite que uma curva de aprendizagem ocorra. A emergência faz com que os litígios se desenvolvam como ferramenta para que o Judiciário execute", afirma Gabriel Sampaio, da Conectas.

O geógrafo e pesquisador da Associação de Pesquisa Iyaleta Diosmar Filho observa que a força da lei e o sistema Judiciário precisam gerar resultados para os indivíduos. Para isso, terão que tornar suas ações e discussões acessíveis à população.

"O desafio é fazer com que as pessoas entendam que a agenda climática é transversal —não vem apenas para resolver a questão ambiental do país ou melhorar a economia, mas para promover o novo ciclo de mundo", diz.

Ele acrescenta que a COP27, realizada na África, foi importante para países e grupos antes excluídos do debate. "Conseguiram colocar pontos importantes, inclusive, na discussão do sistema financeiro e do Fundo de Adaptação. O artigo que trata da maioria das pessoas do globo finalmente saiu do lugar, a gente tratou da economia."

O pesquisador observa que a necessidade de infraestrutura dos países subdesenvolvidos, como os do continente africano, pode levar essas regiões a emitirem mais gases do efeito estufa, enquanto nações desenvolvidas tendem a ser cada vez menos emissoras.

Os fundos devem contribuir para um desenvolvimento sustentável, que promova acessos e preserve o meio ambiente.

Outra forma de captar recursos para adaptação e resiliência frente às mudanças climáticas é por meio da Justiça. De acordo com Pimentel, em países como os EUA tem crescido o número de ações contra empresas promovidas por autoridades locais.

Prefeituras alegam judicialmente que o dano histórico causado pelas emissões vindas de empresas irá impactar o trabalho governamental e aumentar o investimento em infraestrutura. "Estão pleiteado um recurso financeiro no âmbito dessas ações", explica.

O seminário, mediado por Ana Carolina Amaral, jornalista e autora do blog Ambiência, está disponível em folha.com/seminariosfolha.

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