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Serafina

Não há Louvre que se compare ao fundo do mar

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O caminhão da operadora de mergulho passa para me buscar às 7h na pousada. Junto comigo está uma família gaúcha, pai, mãe e filha, cada um com sua agigantada mala preta de equipamento. Eu tenho apenas máscara e snorkel, carrego-os numa sacola laranja Marc Jacobs, imprimo novatíssima.

No pier, os gaúchos se unem aos mergulhadores de nível básico, e eu vou para o barco dos avançados. É isso que está escrito na carteirinha cuja foto indica pertencer a mim. Segundo consta, sou especializada em reconhecimento de espécie, mergulho em profundidade e localização. Tão elucidativo quanto o mais adicto dos meus amigos ser formado em "rescue".

Checagem de equipamento. Regulador, octopus, cilindro com 200 bar, nadadeira, cinto de lastro e o clássico momento de arrependimento por não ter, pelo menos, o macacão de mergulho. Impreterivelmente, o que nos é oferecido no barco terá cheiro de urina. É quase irresistível não fazer xixi ao longo do mergulho. O corpo começa a perder temperatura, o líquido malcheiroso aquece e relaxa. Segredinho nojento compartilhado entre fazedores de bolha. Na volta à embarcação, se alguém se despir dentro da água, todos já sabem a razão. Tapo o nariz e me visto, determinada a não oferecer sensação semelhante a outra pessoa.

Adriana Komura
Não há Louvre que se compare ao fundo do mar
Não há Louvre que se compare ao fundo do mar

O mergulhador equipado aumenta seu peso em quase 20% para dele se esquecer. A água, para ele, é como o ar sem gravidade. O mundo do lento, do azul, do silêncio, do fluído, da ausência de conflito ou de desconforto com o meio. Submersos, somos pássaros, somos peixes, somos eternamente gratos a Jacques Cousteau, para quem rezamos à noite, antes de dormir e sonhar com peixes.

Mergulhar é como meditar na horizontal. O barulho das bolhas ressoa o "om". A concentração de beleza do fundo do oceano faz o pensamento ordinário parar. E abrir espaço à contemplação. A linguagem se torna fraca, primitiva. Meus olhos não param de se espantar. Sargentinho, moreia, tartaruga-verde, tubarão-limão, coral-de-fogo, arraia-manta, jardim de enguias, peixe-frade, peixe-anjo.

Só peço que não me coloquem entre os básicos. Com eles, não tenho epifania, só irritação. Detesto mergulhador se debatendo dentro d'água como se não soubesse nadar. Dando com a nadadeira na cabeça do outro. Usando luva para tocar nos corais. Levantando areia ao passar rente ao fundo. Ficando ansiosamente pra lá e pra cá, mexendo os braços e gastando ar à toa, perdendo tempo de fundo, assustando os peixes, sem sacar que a onda é simplesmente ficar parado observando dentro do cardume.

Se estiver entre os meus, transcendo. E sempre me pego acreditando que Deus existe. Afirmando sem pestanejar que Ele é esteta. Porque não há Louvre que se compare ao fundo do mar criado pela natureza e preservado pelos homens.

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