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Serafina

"Literatura é a minha cachaça", afirma Marçal Aquino

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Marçal Aquino é um homem de palavras. Estica a conversa como estica as frases no papel. Não emana pressa. Emana tempo. Chega no restaurante Frevinho, da rua Augusta, em São Paulo, às 16h. E só se levanta da cadeira às 22h, depois de dois uísques e um beirute de bife à milanesa. Ele nasceu em Amparo, no interior paulista, em 1958. Foi repórter policial. Morava em pensão. Há 30 anos, instalou-se na Vila Mariana.

Alimenta a sua literatura com cafezinhos. E, na carreira de escritor, só se lembra de um grande revés, no dia 15 de fevereiro de 2006, quando, por sentença médica, foi obrigado a largar o cigarro.

"Eu preciso da rua para escrever. Entro num bar e ouço um cara dizendo: 'Deve ser esquisito ser mulher'. Essas pequenas coisas deflagram a ficção. Nelson Rodrigues falava: 'O problema do escritor brasileiro é que ele toma pouco cafezinho'", diz Marçal, entre goles saboreados e mordidas pensadas.

Felipe Hellmeister/Folhapress
O cineasta Beto Brant e o escritor Marçal Aquino em ensaio para *Serafina*
O cineasta Beto Brant e o escritor Marçal Aquino em ensaio para Serafina

"Eu adorava fumar. E nunca percebi que escrever estava tão ligado ao cigarro até ter que parar. Quando fui escrever sem fumar... Compadre! Ficou mais difícil ser escritor."

Beto Brant é um sujeito simpático, até pelo Skype. Surge na tela do computador às 10h de segunda-feira com cara de bem dormido.

Por mais de uma hora, fala, sentado na sala de seu apartamento, em Pinheiros. Ele nasceu em Jundiaí, em 1964. Foi criado em São Paulo. Na juventude, voltava sempre à terra natal. Gostava de trabalhar na lavoura de uvas da família.

O primeiro vinho que tomou foi feito com uvas que ele próprio pisou. Estudou cinema na Faap (Fundação Armando Alvares Penteado), depois de passar dois meses na faculdade de agronomia. Nunca fumou. Seu vício é mais contemporâneo.

"Nunca fui intelectualizado. Para mim, importante é a experiência com a natureza. Eu preciso ver o horizonte, correr, andar, meditar sobre o que estou fazendo", diz o cineasta. "O que me chamou na literatura do Marçal foi o encontro com o interior de São Paulo. Ele tinha um olhar maduro, com vivência intelectual. Encontrei na escrita dele um universo literário que ia ao encontro das minhas referências."

LAVÍNIA PITANGA

Com semelhanças que aproximam e diferenças que complementam, Marçal e Beto se encontraram. Foi há 20 anos, no final de 1991. Já são sete longas para contar essa história. Todos os filmes de Beto têm a mão literária de Marçal nos roteiros. Apenas dois não são baseados em obras do escritor: "Crime Delicado" (2005), adaptado da obra homônima de Sérgio Sant'Anna; e "Cão Sem Dono" (2007), baseado no livro "Até o Dia em que o Cão Morreu", do mesmo ano, escrito por Daniel Galera.

Beto e Marçal celebram as duas décadas de enlace com o filme mais ambicioso da carreira da dupla: "Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios", com estreia prevista para 20 de abril. O livro é o mais festejado da obra de Marçal. E o filme, o mais caro que Beto já fez: R$ 3,5 milhões. "O Invasor" (2002), seu filme de maior bilheteria, custou R$ 700 mil.

Segundo Marçal, "Eu Receberia..." é, na verdade, "o filme da Camila Pitanga". Ela vive Lavínia, uma mulher de "olhos antigos", "humor fosco", que, de vez em quando, "acorda nublada", e, de vez em quando, acorda "Shirley".

"Quer uma Lavínia melhor do que a Camila Pitanga?", pergunta Marçal. Beto pondera –e apoia: "Tinha uma equipe de mais de 80 pessoas na produção. Esse filme é dessas 80 pessoas. Mas a Camila... Fui buscar uma mulher que para mim era um mito. Camila está no seu grande momento de beleza e maturidade".

De fato: a Lavínia transposta para a tela só poderia ser uma Camila Pitanga suada, neurótica, visceral, linda, gostosa, ora selvagem, ora apática, que devora dois homens, o fotógrafo Cauby, personagem de Gustavo Machado, e o pastor Ernani, personagem de Zé Carlos Machado. O filme se passa no Pará, numa cidade do interior carcomida pelo desmatamento e pela violência que a ganância gera.

"É muito difícil adaptar um livro. São dois territórios diferentes. O cinema não quer a sua imaginação. Já um livro só se torna bom nas mãos de um bom leitor", comenta Marçal. "Adaptar um livro é fazer uma leitura cinematográfica. Você filtra pelos seus olhos, seu repertório, sua sensibilidade. Vai materializar a sua leitura. Eu nunca tenho pretensão de ser fiel", emenda Beto.

CAFÉ E CACHAÇA

O casamento da literatura de Marçal Aquino com o cinema de Beto Brant é intenso, antropofágico. "Vou na casa do Marçal tomar um café, o papo esquenta, ele começa a ler trechos do que está escrevendo no momento", conta Beto. "Quando ele me falou da história de 'O Invasor' (2002), eu disse: 'Que gente sem caráter, eu não quero filmar isso'. Até que fui na casa dele e ele leu para mim, tinha 20% do livro. Pirei. Começamos a escrever o roteiro antes mesmo de ele terminar o livro."

Quando se encontraram pela primeira vez, Beto era um cineasta anônimo e apaixonado por literatura. Marçal, um escritor anônimo e apaixonado por cinema. Depois de ler "As Fomes de Setembro" (1991), o primeiro livro de Marçal, o jovem cineasta, recém-saído da escola, passou a mão no telefone e ligou para o escritor. Queria transformar um daqueles contos em um curta-metragem.

O filme acabou não vingando. Mas a parceria já estava selada: foi amor à primeira vista."O Beto virou para mim e disse: 'Vou fazer um longa. Você tem um livro?' Eu disse: 'Só tenho uma novela inacabada: 'Os Matadores (1997)''", rememora Marçal. "O Beto então me propôs ir ao Paraguai conversar com pistoleiros. Voltamos de lá impregnados daquela coisa. Escrevemos o roteiro em 70 dias, ombro a ombro. Naquela época, eu não era roteirista. Hoje, os roteiros pagam as minhas contas. Já a literatura é a minha cachaça."

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