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Serafina

Artista plástico que vende quadro a R$ 100 mil vira drag queen a trabalho

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Depois de vestir um tubinho preto supercolado ao corpo e de calçar os saltos altíssimos, vem o susto. "Merda! Esqueci de depilar o peito!" Com a peruca estilo Naomi Campbell na cabeça e maquiagem impecável no rosto, Rodolpho Parigi se olha no espelho e, desesperado, passa as mãos sobre o tórax. Seu maquiador acha uma lâmina de barbear no fundo da bolsa e raspa ali mesmo a fina penugem que começava a aparecer –o último passo para que esse homem barbado de quase dois metros de altura se transforme na boneca gigante que vem tomando de assalto o mundinho paulistano das artes visuais.

Ela é Fancy Violence, algo como violência chique em tradução livre e ao mesmo tempo um nome de guerra poderoso, capaz de causar inveja em qualquer travesti do mundo real. Mas Parigi, um artista paulistano que fez fama e relativa fortuna pintando quadros rosa-choque nos últimos sete anos, encontrou nessa reencarnação feminina um novo rumo -mais crítico e não menos rosa-choque- para seu trabalho.

Pablo Saborino
Rodolpho Parigi todo trabalhado na drag queen
Rodolpho Parigi todo trabalhado na drag queen

"Dizem que pareço uma mulher. E tenho um cuidado para construir a personagem, do cabelo à maquiagem que ela usa", conta. "Ela é uma mulher, uma heroína, uma vingadora, uma 'cyborg'.

É gótica, é noir. A Fancy é desse mundo, só que um pouco mais bizarra. A bizarrice nela é cada vez mais parecer uma coisa linda. Sabe quando alguém chega e causa uma transformação no ambiente? Então, quando ela chega, alguma coisa sempre acontece."

De fato, acontece um fenômeno magnético. Difícil não ser fisgado pela visão de um homem daquele tamanho transformado numa espécie de Barbie biônica, só que bem mais ousada no figurino do que a boneca loira. No Red Bull Station, o centro cultural no vale do Anhangabaú onde Parigi instalou um camarim e vem lapidando a personagem nos últimos meses, operários de uma reforma no prédio fazem fila na porta para espiar suas estripulias. Nas performances, o que não passa de um pacato espaço expositivo se transforma numa quase boate, com gente louca e "seriona" se espremendo para ver.

Entre os críticos de arte, a sensação é de choque, só que um choque positivo. Cada aparição de Fancy Violence, e não falta quem peça ao artista que vá aos vernissages travestido, carrega uma aura de ansiedade. Talvez porque Parigi tenha conseguido injetar num meio cada vez mais sisudo e movido a cifras milionárias um senso de humor que faltava, dissolvendo a austeridade das pinturas, fotografias e esculturas cerebrais que dominam as galerias da cidade. É como se aquela figura banal de uma drag queen, padrão em qualquer palco de boate gay, ganhasse um poder insuspeitado nas rodinhas da arte.

Mas Fancy, o artista frisa, não é um travesti. Na sala de estar de sua casa na Aclimação, em São Paulo, está a tela em que Parigi pintou o rosto de santa Teresa em êxtase, flagra surrupiado da escultura do século 17 do italiano Gian Lorenzo Bernini. Tanto ali quanto nas caras e bocas de sua Fancy parece estar certa afirmação do prazer que dá o último verniz de leitura à sua obra plástica.

Enquanto seus quadros abstratos até aqui pareciam trazer só nas entrelinhas a volúpia do corpo, aquilo de mais carnal que abunda no tropicalismo, as performances e desenhos que vem fazendo nos últimos meses explicitam uma mensagem hedonista.

A ARTE DE GOZAR

"Eu entrei no mundo da arte para gozar", resume Parigi. De certa forma, seu alterego plastificado encarna uma atitude de deboche diante da voracidade do mercado da arte. Ele já foi vendedor de loja de shopping, ganhou uma bolsa de estudos e se formou na Fundação Armando Álvares Penteado, uma das escolas de arte mais prestigiosas do país, conquistando cedo o sucesso comercial. Enquanto suas telas hoje figuram nos principais museus e custam entre R$ 15 mil e R$ 100 mil, ele parece questionar o circo armado em torno da carreira de um artista.

Isso porque enquanto formou uma entourage de amigos que trabalham de graça para ajudar a construir sua Fancy, gastando até R$ 20 mil do próprio bolso com perucas, saltos e vestidos, Parigi vem pintando menos. "Se eu quisesse continuar só fazendo pintura, vendendo dez quadros por semana, eu podia. Mas enjoei. A Fancy é a materialização da minha pintura, ela sai dessa tela", diz apontando para um quadro em seu ateliê todo de vidro, com pé-direito triplo, nos fundos de sua casa. "Meu trabalho é autorreferente. Não é um autorretrato, mas passa pelas experiências que eu sinto na minha pele, no meu corpo."

Sua galerista, Nara Roesler, confessa que é "dificílimo" trabalhar com performance do ponto de vista comercial, mas diz que "é natural que Rodolpho tenha saído da pintura para outras experimentações". "Ele é um cara bastante expansivo e expandido", resume Roesler. "É um artista que está sempre buscando uma nova forma de expressão. Quando a gente consegue entender o trabalho dele, já mudou tudo."

É nesse ponto que Parigi deixa clara a distinção entre se vestir de mulher e o "ato artístico" que configura sua Fancy Violence. "Não vou tomar um drinque no Spot vestido de Fancy. Estão achando que eu sou uma gostosona, mas na verdade eu sou um cara que tem um pinto, que tem barba para fazer e corro para casa quando começo a 'desmaterializar'", exemplifica. "Preciso me preparar para receber a Fancy. São duas semanas de dieta, emagreço quatro quilos. Tem o gesto de esperar duas horas pela maquiagem, mais meia hora para o cabelo. Exige dedicação, é um ritual absurdo."

Tão absurdo quanto complexo. Às voltas com uma agenda que cresce e pedidos de performance para uma série de exposições, Parigi vem aperfeiçoando sua personagem. Ele conta que vai fazer aulas de dança, canto e postura corporal, mas esclarece que nada disso é tão novo, lembrando que quando criança ele já imitava a exuberância e trejeitos das performances de Ney Matogrosso no palco. "Se imitava com cinco anos de idade, isso já estava em mim", diz o artista. "Agora eu só preciso saber dançar em cima de um salto dez. Se é para fazer, faz de verdade."

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